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Mostrando postagens de fevereiro, 2024

#28 É sempre a hora da nossa morte amém, de Mariana Salomão Carrara

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  (Capa: Cristina Canale e Romulo Fialdini) Após ser encontrada vagando por uma estrada, chamando por Camila e segurando uma coleira vazia, Aurora foi levada a um lar para idosos. Ela não se lembra onde mora, quem é Camila e sequer tem certeza de seu próprio nome. As lembranças de Aurora, apesar de repletas de detalhes e aparentemente coerentes, são contraditórias. Em algumas delas, Camila é sua melhor amiga. Em outras, sua filha. Em alguns momentos, ela diz não ser mãe. Ao anotar os pontos repetidos nos diferentes relatos, como sua aversão por sequilhos, o fato de que na juventude dirigia um fusca e sua predileção pela idade de 40 anos, a assistente social Rosa procura montar o quebra-cabeça da vida da idosa e descobrir quem ela de fato é. Pelo convívio com minha avó portadora da doença de Alzheimer, eu tinha receio de que essa leitura seria dolorosa, mas Mariana Salomão Carrara me surpreendeu com seu humor irônico ao criar uma protagonista que, mesmo não se lembrando de fatos c

#27 Dicas Rápidas: Paula Gomes e José J. Veiga

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  (Capa: Dante Luiz) Com seis histórias curtas protagonizadas, cada uma, por “Um garimpeiro, um padre, um médium, um detonador, um guia turístico e eu”, o livro de Paula Gomes chamou a minha atenção logo de cara pelo título. O recorte de momentos cruciais na vida dos protagonistas serve de fio condutor para narrar, a partir do final do século XIX até os anos 2000, a história da cidadezinha fictícia de São Henrique, onde o principal negócio é o garimpo. O clima, a geografia montanhosa e o desenvolvimento do local me fizeram pensar que a autora se inspirou no interior de Minas Gerais ao criá-lo. Os henriquenses não conseguem passar mais do que 24 horas fora da cidade, pois ela os “suga” de volta. Com exceção dessa peculiaridade, nada fora do comum acontece no povoado, mas a escrita de Paula Gomes faz o cotidiano parecer extraordinário. Seu humor sutil me lembrou o de Vanessa Barbara, autora de um dos meus romances queridinhos da vida, “Noites de alface” .  Em “Um garimpeiro…”, Paula con

#26 Bom dia, tristeza, de Françoise Sagan

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  (Capa de A2 e Mika Matsunake, Tradução de Siei Maria Campos) Cécile tem 17 anos e passa uma temporada na costa do Mediterrâneo com seu pai, Raymond. Ela afirma logo no início de sua narrativa que “era perfeitamente feliz”. E não é à toa ‒ pai e filha bon vivants passam dias e noites nadando, comendo e bebendo do bom e do melhor e curtindo os respectivos namorados da vez. Quando Raymond anuncia que Anna, amiga da falecida esposa, está para chegar, Cécile prevê acertadamente que o clima das férias de verão está prestes a mudar. Várias passagens de “Bom dia, tristeza” me lembraram livros de F. Scott Fitzgerald. No romance francês, entretanto, eu me senti dentro da cabeça dos personagens dos loucos anos 20 . No relato de Cécile é possível ver de perto o quão irresponsáveis e desatinados os ricos podem ser apenas pelo fato de poderem pagar pelas próprias extravagâncias. A única a refutar o estilo de vida tresloucado da dupla é Anne. Diante de tantos excessos dos outros, a sensatez de

#25 Um amor, de Sara Mesa

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  (Capa de Diogo Droschi, Tradução de Silvia Massimini Felix) Natalia, de trinta e poucos anos, acaba de se mudar para o povoado (fictício) de La Escapa. Enquanto ela tenta se adaptar à nova casa e aos costumes do lugarejo, conhecemos mais a seu respeito e descobrimos qual a motivação para morar num ambiente que se revela hostil de diversas maneiras. No decorrer da narrativa em terceira pessoa, veremos Nat adotar um cão, fazer amizades e inimizades e viver o amor do título. Esse foi um daqueles livros imersivos que, mesmo nos intervalos de leitura, me fazem pensar na trama  e nas questões abordadas. Isso não quer dizer que ele seja leve. A dificuldade de Nat nas relações com os vizinhos e até com o cachorro e em sentir-se pertencente àquela comunidade doeu quase tanto em  mim quanto nela. Acompanhar a tentativa dessa mulher sozinha de construir uma vida a despeito de todos os pequenos, porém inúmeros percalços apresentados foi uma experiência, em muitos momentos, penosa. Mas é just