#25 Um amor, de Sara Mesa
(Capa de Diogo Droschi, Tradução de Silvia Massimini Felix)
Natalia, de trinta e poucos anos, acaba de se mudar para o povoado (fictício) de La Escapa. Enquanto ela tenta se adaptar à nova casa e aos costumes do lugarejo, conhecemos mais a seu respeito e descobrimos qual a motivação para morar num ambiente que se revela hostil de diversas maneiras. No decorrer da narrativa em terceira pessoa, veremos Nat adotar um cão, fazer amizades e inimizades e viver o amor do título.
Esse foi um daqueles livros imersivos que, mesmo nos intervalos de leitura, me fazem pensar na trama e nas questões abordadas. Isso não quer dizer que ele seja leve. A dificuldade de Nat nas relações com os vizinhos e até com o cachorro e em sentir-se pertencente àquela comunidade doeu quase tanto em mim quanto nela. Acompanhar a tentativa dessa mulher sozinha de construir uma vida a despeito de todos os pequenos, porém inúmeros percalços apresentados foi uma experiência, em muitos momentos, penosa. Mas é justamente no detalhamento desses contratempos ‒ muitas vezes recebidos pela protagonista com passividade ‒ que está a graça da leitura. Sinto que Nat é provocada o tempo todo a agir e o leitor, por conseguinte, a refletir sobre a própria conduta de vida e se posicionar.
A espanhola Sara Mesa, publicada pela primeira vez no Brasil, tem a capacidade de nos conduzir ao âmago da personagem e a um profundo entendimento de sua mente, suas motivações e experiências. Entretanto, o relato não é condescendente com as falhas de Nat. Por isso, confesso que no último terço do livro testemunhar tão de perto as neuras e até os pesadelos dela foi desagradável. Na escrita competente da autora, cada personagem secundário torna-se tridimensional e, por meio de sua ligação com Nat, indispensável para entendermos cada vez melhor a lógica desta. Seu par “romântico”, por exemplo, traz uma oposição interessante a ela e nos mostra o quanto é insegura e imatura, características que a fazem viver sempre na defensiva.
O título, na minha opinião, tem mais a ver com o amor próprio de Nat e dos leitores do que com o romance que ela vive em Escapa, embora este tenha sido o veículo para que a personagem e nós, leitores meditemos sobre a importância de estar bem consigo próprio para estar bem em qualquer relacionamento, incluindo os amorosos.
Outras viagens psicanalíticas minhas me fizeram pensar que o destino de Sieso é como uma “derrota” da protagonista e que ocorre uma domesticação de seus instintos.
Dois de meus trechos favoritos do romance:
“E no entanto, não falar, calar a respeito de tudo, não faz com que a dor desapareça.”
“Entende que não se chega ao alvo apontando, mas com descuido, através de oscilações e rodeios, quase por acaso.”
"Um amor" está disponível para empréstimo na BibliON.
Recomendo para quem gosta de mergulhos na psique de personagens e na sua própria.
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