#27 Dicas Rápidas: Paula Gomes e José J. Veiga

 

(Capa: Dante Luiz)


Com seis histórias curtas protagonizadas, cada uma, por “Um garimpeiro, um padre, um médium, um detonador, um guia turístico e eu”, o livro de Paula Gomes chamou a minha atenção logo de cara pelo título.

O recorte de momentos cruciais na vida dos protagonistas serve de fio condutor para narrar, a partir do final do século XIX até os anos 2000, a história da cidadezinha fictícia de São Henrique, onde o principal negócio é o garimpo. O clima, a geografia montanhosa e o desenvolvimento do local me fizeram pensar que a autora se inspirou no interior de Minas Gerais ao criá-lo.

Os henriquenses não conseguem passar mais do que 24 horas fora da cidade, pois ela os “suga” de volta. Com exceção dessa peculiaridade, nada fora do comum acontece no povoado, mas a escrita de Paula Gomes faz o cotidiano parecer extraordinário. Seu humor sutil me lembrou o de Vanessa Barbara, autora de um dos meus romances queridinhos da vida, “Noites de alface”

Em “Um garimpeiro…”, Paula construiu personagens verossímeis e cativantes. Outra característica digna de destaque é que mesmo que homens sejam aqui majoritariamente retratados, quando as mulheres de São Henrique aparecem, roubam a cena.

São menos de 100 páginas de entretenimento de altíssima qualidade, numa fluidez boa para curar ressacas literárias.



(Capa: Kiko Farkas e André Kavakama / Máquina Estúdio)


Descrevendo o cotidiano da população de Manarairema e como ela é afetada pela chegada de forasteiros, José J. Veiga cria uma alegoria com a qual brasileiros podem se identificar facilmente.

A sinopse de “A hora dos ruminantes” foi muito bem escrita e graças a ela eu só sabia o que acabei de contar aqui a respeito do enredo. Descobri-lo aos poucos foi instigante, daquelas em que não dá vontade de parar até terminar.

Fiquei impressionada com a qualidade da literatura de J. J Veiga, cujo realismo mágico não deve nada a Gabriel García Márquez, um dos meus autores favoritos. Por que não ouvimos falar do autor brasileiro com a mesma frequência do colombiano é misterioso como o desenrolar da trama de “A hora dos ruminantes”.

Após ler o romance, ouvi também o mais famoso dos contos de J. J, “Os cavalinhos de platiplanto”, de que gostei mas com o qual não me conectei tanto. 

Neste, me chamou a atenção o uso de aforismos e regionalismos. Eu nunca antes tinha ouvido, por exemplo, os verbos “sojigar” e “cepilhar”. Em alguns momentos (e não por acaso, já que isso tem a ver com o mote da história), me lembrei de “A polícia da memória”. Nos dois existe uma normalização de situações que num primeiro momento são absurdas e inaceitáveis.

Se você está achando essa resenha meio vaga, saiba que a narrativa de J. J. é um pouco assim também e nisso reside a habilidade do autor. A trama se desenvolve, coisas acontecem, mas o mistério, em vez de ser solucionado, aumenta a cada página. Isso torna o livro “unputdownable”, para usar uma expressão que amo. Próximo da metade da história, desconfiei qual era o tema principal e ao terminá-la pesquisei e confirmei minhas suspeitas. Se ler esse romance, você verá que há pistas no nome dele, no dos capítulos e no da cidade. Mais que isso não quero dizer, pois o suspense foi grande parte do prazer da leitura.

Espero que outros leitores se empolguem e surpreendam com “A hora dos ruminantes” tanto quanto eu. Mesmo que não seja o seu caso, se você conhecer um fã de realismo fantástico que ainda não leu esse autor, indique essa leitura. Aposto que muitos fãs do gênero não conhecem J. J. Veiga e podem curtir a experiência.

Só escrevendo percebi que ambas são dicas de histórias sobre moradores comuns de pequenas cidades fictícias. Um efeito da série “mágicas do inconsciente e da escrita” 😄


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