#44 Coração na aldeia, pés no mundo, de Auritha Tabajara
(Capa: Vítor Goersch)
A poesia, além de ser a origem da literatura (penso em Gilgamesh e no teatro grego clássico, por exemplo), há milênios conta histórias ‒ como a prosa.
Eu, no entanto, não habituada a ler em versos, em 2016, quando soube que Bob Dylan tinha ganhado o prêmio Nobel, pensei “com tantos escritores incríveis, por que escolheram premiar um músico?”. Na repercussão da notícia, vi Booktubers lembrando que letra de música (e qualquer forma de narrativa, oral ou escrita, rimada ou não) também é literatura. A partir daí, revi meus (pré-?) conceitos. Atualmente, com meu recém-adquirido hábito de leitura, me fascina conhecer relatos rimados.
Apesar de ter pai nordestino, só em 2023 li pela primeira vez literatura de cordel. Descobri então que ela é um “mundo paralelo” em que fala-se dos mais variados temas, incluindo: vida sertaneja X vida urbana, política e homenagens ou sátiras a celebridades e figuras históricas. E mesmo tendo, muitas vezes, o humor como tônica, as narrativas em cordel são escritas em diferentes gêneros, entre os quais recontos de obras clássicas e até ficção científica.
Por essa minha nova identificação com cordel e poesia de modo geral, fiquei feliz quando chegou até mim “Coração na aldeia, pés no mundo” através da nova fase do Projeto De Mão em Mão.
No livro, Auritha Tabajara (Francisca Aurilene Gomes Silva) narra a própria trajetória de vida desde o nascimento no interior do Ceará. Sua jornada passa pela convivência com a família e a cultura de seu povo, a incorporação de tradições não indígenas, sua experiência de gauche, a mudança para Fortaleza, a criação das filhas, seus percalços na capital cearense e, posteriormente, em São Paulo, seu amor pelas letras e a saudade da terra natal.
Além disso, a autora pincela alguns tópicos atualmente em debate no nosso e em diversos outros países: disputas culturais, ecologia, diversidade sexual, maternidade, relacionamentos afetivos e exploração do trabalho estão presentes na história.
“Admirada por todos;
Para muitos, diferente.
Na escola, aos sete anos,
Taxada de rabo quente,
Feiosa, bucho quebrado…
Mas muito inteligente”
(Trecho da página 10)
No breve prefácio da edição caprichada da UK’A Editorial (que pode ser encontrada aqui), o professor e pesquisador Marco Haurélio bem define que Auritha “... ao mesmo tempo, contesta e homenageia os cordeis clássicos, ao contar uma história de princesa sem glamour, sem reino encantado, e, mais importante ainda, sem príncipe salvador”. Ou seja, “Coração na aldeia, pés no mundo” é, além de um romance de formação, uma leitura prazerosa, rica e atualíssima.
As xilogravuras da artista Regina Drozina tornam o livro ainda mais primoroso.
Recomendo para quem quer uma leitura rápida, agradável e com conteúdo.
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