#42 Sobre não ler livros "da moda"

Quando alguém diz “É um bestseller, então deve ser bom”

(Imagem: kindlepreneur.com)

Outro dia, ao escolher um título na pilha de próximas leituras, me lembrei deste mini “causo” acontecido anos atrás. 

Um grupo de colegas e eu conversávamos com o professor de Tradução antes da aula. Numa das pausas, ele apontou o calhamaço em cima da minha carteira e perguntou “o que você está lendo?” Eu, envergonhada (pois preferiria ser pega lendo algum clássico tipo “Ilíada” do que um livro da então moda adolescente vampiresca), mostrei o volume de “Breaking dawn” (que na época amei, por sinal) e balbuciei algum comentário confuso que provavelmente só aumentou meu embaraço. O professor respondeu algo de que me lembro com frequência: “Ms. Morland, nunca sabemos a real importância de um livro na época em que ele é publicado. Bestsellers podem um dia ser considerados lixo, e fracassos de público e crítica podem vir a tornar-se clássicos. Portanto, leia o que tiver vontade, divirta-se e não sinta vergonha por isso.”

Acadêmicos e/ou leitores vorazes sabem que rola toda uma elitização da literatura chamada “culta” ao mesmo tempo em que subestima-se o que é “popular”. Para muita gente, porém, pode parecer bobagem (porque de fato é), mas ao ouvir o professor me senti, pela primeira vez, “autorizada” a ler o que me atraía sem a necessidade de posar de “profunda” o tempo inteiro.

Mesmo assim, ao ouvir falar de um livro muito comentado, sinto um misto de atração e repulsa. Na maioria das vezes, quero saber o que tanta gente está curtindo naquela leitura, mas tenho também um lado pedante que pensa “aff, mais uma modinha!”. O segundo lado é fruto das pressões sociais que adoram rotular tudo e todos e colocar pessoas nas famosas caixinhas limitadoras (Ou você gosta de amarelo ou de roxo, ou é culto ou é burro).

Mas tudo nesta vida tem pelo menos dois lados (e as mais variadas nuances),  portanto não ler obras famosinhas enquanto estão “na moda” tem vantagens. Para mim, a maior delas é o conteúdo já ter passado pelo teste do tempo, como dito pelo prof.

Esperar o hype passar, por sua vez, tem desvantagens que vão além de deixar que o exterior diga quem você é ou deveria ser por dentro: brigar com as vozes na cabeça (algo sempre cansativo e quase nunca produtivo) e não participar das discussões enquanto o livro ainda está “quentinho” são as que me vêm à mente.

Enfim, minha escolha da próxima leitura virou uma reflexão sobre o quanto nós seres humanos complicamos a vida. Para citar outro professor meu (esse, de Literatura Inglesa, ao falar do Coelho Branco de “Alice no País das Maravilhas”), “que inferno deve ser uma vida em que seguimos nossos ritmos naturais! Já pensou o quanto deve ser chato comer quando tem fome e dormir quando tem sono?” (Contém ironia.) De onde concluo (?) que não há sentido em ler o que der na veneta sem problematizar horrores.

Isso dito, eu procuro ler o que quero no momento em que sinto vontade, mas nem sempre consigo ficar em paz com minhas escolhas. Porque o Booktube e a internet em geral, porque a biblioteca, porque as indicações feitas por amigos, porque a autocobrança, porque a síndrome de impostora (“Mas como você ainda não leu livro tal?” Quando essa vozinha irritante fala, não importa se li outros dois milhões e setecentos mil, pois parece que leitor digno de ser considerado como tal tem de ler O TEMPO TODO livros x e dos autores da elite y)... Seria o caso de me isolar no alto de uma montanha até terminar de ler tudo o que me interessa e foi lançado até 1900 para só então retornar ao convívio humano e ler “o resto”? Fica o autoquestionamento.

Contudo, sigo tentando ser menos estúpida e parar de julgar o livro pelo hype.

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