#43 Esta vida – Poemas escolhidos, de Raymond Carver
(Capa: Bracher & Malta Produção Gráfica
Tradução: Cide Piquet)
(…) E depois de
algum tempo, oh, ninguém sabe ou se importa
quando, eles começaram a se arrumar
e passear pela cidade aos domingos.
Sorrindo. Ele orgulhoso e feliz, de mãos dadas com ela.
(...)
Felicidade é uma coisa rara! Toda noite,
ele ouvia poesia, poesia e mais poesia
em frente à lareira.
E nunca se cansava daquela vida.
(págs. 85-86)
Trecho do poema “Felicidade em Cornwall”, traduzido por Cide Piquet e presente na coletânea “Esta vida ‒ Poemas escolhidos”, de Raymond Carver.
Esse livro é um dos poucos volumes de poesia que tenho na estante. Entre os 10 e os 15 ou 16 anos de idade, li bastante Drummond, um pouco de Manuel Bandeira e um tanto de Cecília Meireles. Porém, quanto mais envelheci, menos poesia passei a ler. Nos últimos dez anos, li nove ou dez livros do gênero, número irrisório se comparado ao volume de prosa que consumi no mesmo período. Como tenho o objetivo de manter em casa apenas os livros que amo e os não lidos, há uns meses comecei a ler “Quatro quartetos” (a minha edição é esta antiga, mas os poemas desse livro estão presentes também nesta coletânea e outras disponíveis em sebos) para ver se seria um volume a ser doado. Fui tão tocada pela melancolia e a sonoridade dos versos de Eliot que decidi voltar a ler poesia com regularidade. E após me deleitar lendo, um por noite, os poemas do autor do início do século XX, avancei no tempo e li Carver, de quem eu já conhecia alguns contos.
Apesar do momento singelo retratado no trecho escolhido para abrir este post, a poesia do autor é, em grande parte, taciturna e por vezes até sombria. Carver escreveu em versos livres e a respeito de pessoas simples, seu cotidiano e vícios. A vida do poeta ‒ que foi alcoólatra e exerceu funções como faxineiro e entregador ‒ sem dúvida influenciou seus temas e seu estilo de escrita. Mesmo assim, sua obra não pode ser resumida a essas características, como escreve Angélica Freitas na orelha da edição:
Os poemas de Raymond Carver também estão cheios de esperança e da capacidade de se maravilhar. Existe algo mais maravilhoso que uma nascente? Pergunta em “Onde a água se junta a outra água”. E a sensação que temos, após lê-los, é que se ficarmos muito quietos com nossas xícaras de café, atentos ao que se passa dentro de nós e ao nosso redor, alguma coisa bonita pode acontecer.
A editora 34, como sempre, fez um primoroso trabalho na edição bilíngue que, além da íntegra do texto acima, contém uma nota do tradutor, índices dos poemas traduzidos e dos originais, uma lista de indicações de obras relacionadas, uma minibiografia de Carver e uma de Cide Piquet.
A mim, os poemas de Carver lembram que a vida pode ser composta por diversas coisas. Violência, miséria e tristeza mas também belezas dentro e fora de nós, momentos de comunhão conosco e com outras pessoas, encontros, desencontros e a morte. Essa última, na visão do autor, algo neutro e tão natural quanto o curso das águas que aparecem em alguns de seus poemas.
Recomendo para quem quer criar o hábito de ler poesia e para os já adeptos que ainda não conhecem a potência dos versos de Carver.
Comentários
Postar um comentário