#19 Melhores Leituras de 2023, Parte 2/2

Conforme o prometido, eis a segunda e última parte das minhas melhores leituras de 2023. 


11.

“A polícia da memória”, de Yoko Ogawa (Estação Liberdade, Tradução de Andrei Cunha)

Em uma ilha em local e tempo indeterminados, objetos, animais e até sensações começam a desaparecer. As coisas estão lá e, de repente, não estão mais. Quem por acaso ainda tem aquilo deve se desfazer o mais rápido possível ou terá problemas com a polícia da memória. Em geral, após os sumiços, todos esquecem daquilo que lhes foi tirado. Algumas pessoas, porém, ainda se lembram. Isso as coloca em risco, pois elas são escoltadas pela polícia “para averiguações” e nunca voltam às suas casas. 

Esses são os acontecimentos estranhos da distopia escrita pela japonesa Yoko Ogawa. A narrativa é envolvente e a trama paralela, a de um romance escrito pela protagonista sem nome de “A polícia da memória” é tão interessante quanto a principal. 

O livro não oferece solução para os mistérios que cria e há diversas interpretações possíveis para os sentidos ocultos. Algumas das minhas possibilidades favoritas aparecem (em inglês) aqui. Mas para mim, o melhor foi a experiência instigante que essa leitura me proporcionou. Se você sabe lidar com histórias de final aberto, pode gostar desse livro tanto quanto eu. Se não, passe adiante na lista.



12.

“Talvez você deva conversar com alguém”, de Lori Gottlieb (Autêntica / Vestígio, Tradução de Elisa Nazarian)

Em “Talvez você deva conversar com alguém”, a psicóloga norte-americana Lori Gottlieb conta um pouco de sua trajetória pessoal e profissional, alguns casos de clientes seus e também as próprias sessões com seu terapeuta. Ela narra as suas neuroses e as de seus pacientes de maneira leve e bem-humorada. Assim, consegue despertar a identificação do leitor com questões que, como enfatiza o subtítulo desta edição, todos nós vivemos ou ainda viveremos. 

“Talvez você deva conversar com alguém” é um livro que, mesmo não levantando bandeiras, serve para lembrar da importância da saúde mental e da utilidade da psicanálise. Quem se interessa por histórias reais cotidianas (mais conhecidas como “fofocas”) e psicologia também pode aproveitar essa leitura. 



13.

“Pequenas memórias”, de Tayná Saez (Editora Pormenor)

Contando desde lembranças de infância até memórias recentes, as crônicas de Tayná Saez são íntimas e falam da beleza do cotidiano e dos detalhes que, enquanto os vivemos, passam despercebidos mas, com o verniz do tempo e da memória, ganham importância. Assim como é comum acontecer ao ler livros com várias histórias, neste algumas me trouxeram uma identificação imediata e me emocionaram. Outras, eu apenas absorvi como ouvinte. Em todas, porém há sensibilidade e beleza encantadoras. 

Um novo hábito que desenvolvi em 2023 foi o de escutar audiolivros. Foi assim que li o livro da Tayná. No perfil da autora, @sutilezasatomicas, estão as instruções para ter acesso gratuito a “Pequenas memórias” na plataforma Skeelo.


14. “Literalmente amigas”, de Laura Conrado e Marina Carvalho (Bertrand Brasil)

Gabi e Lívia são as clássicas amigas “complementares”. Uma é extrovertida e alegre, a outra é quieta e séria. Enquanto a primeira corre atrás da estabilidade financeira, a segunda tem um emprego bem remunerado e apartamento próprio. O que une as duas moças é seu amor pela literatura, que as levou a escreverem um blog juntas. Quando ambas competem pela mesma vaga de emprego, a amizade sofre um abalo que pode ser o começo do fim.

Adoro um bom chick lit e “Literalmente amigas” foi o meu queridinho deste ano. Amei as referências literárias e musicais na trama, além das menções a astrologia, assunto pelo qual tenho (vergonhoso?) interesse. Essa história também me lembrou muito minha amiga Ra, pois a nossa amizade começou por causa dos livros que ambas devoramos compulsivamente e, muitas vezes, de forma conjunta. A Ra, além de companheira de leituras, é uma das incentivadoras da minha escrita (antes do blog, eu escrevia resenhas “exclusivas” que lotavam a caixa de entrada dela).  

Mesmo sem amigos literários, creio que o romance pode agradar a pessoas de gostos diversos. Ele é tão eclético que traz até menções ao futebol ‒ Gabi é atleticana roxa e participa de uma torcida organizada feminina de que gostei, mesmo não ligando para o esporte. “Literalmente amigas” tem ainda, é claro, casaizinhos apaixonantes e passagens cômicas dignas do gênero chick lit. A narrativa de Laura e Marina é gostosa de acompanhar e a história é desenvolvida no ritmo ideal para uma obra desse tipo.



15.

“A menina submersa”: Memórias, de Caitlín R. Kiernan (Darkside Books, Tradução de Ana Resende e Carolina Caires Coelho)

“A menina submersa” é uma imersão (trocadilho infame, eu sei) na mente de India Morgan Phelps, ou simplesmente Imp, jovem cuja mãe e avó suicidaram-se. Por temer um dia fazer o mesmo, Imp começa a escrever suas memórias. Porém, sua sanidade mental oscila, então seus relatos são tudo menos lineares ou de fácil compreensão. “A garota submersa” é uma colcha de retalhos fascinante que traz uma mescla de referências fictícias e reais a pinturas, autores e crimes relacionando-os às vivências e lembranças (pouco confiáveis) da protagonista. 

Durante a leitura, me senti confusa, curiosa e envolvida na mesma medida. É um livro classificado como terror / fantasia e eu diria que há um componente indefinível a mais nesse amálgama, só não sei definir o que é. Seja lá o que for, é inegável a erudição de Kiernan, que também é paleontóloga (outro fato curioso, a meu ver). A narrativa dessa obra, apesar de conter os elementos já citados e muitos outros, é cativante. Quem gosta de grandes mistérios certamente pode apreciar a leitura de “A menina submersa”. 



16.

“Gay de família”, de Felipe Fagundes (Companhia das Letras)

Neste post eu conto em detalhes por que gostei tanto de “Um gay de família”. Espero que vá lá dar uma olhada e depois volte. Mas se precisar saber apenas duas coisas para decidir se faz essa leitura, lá vão: Ler Felipe Fagundes é como ouvir os causos daquele/a amigo/a ou parente que é mestre em contá-los, sabe? E a história do protagonista do romance, Diego, é hilária.



17.

“The running grave”, de Robert Galbraith (Mulholland Books)

Já expliquei por que gosto dos livros da série Cormoran Strike. Hoje é a vez de comentar “The running grave”, o sétimo dos romances policiais escritos por Robert Galbraith ‒ pseudônimo de J. K. Rowling. Acompanhar a jornada dos protagonistas Cormoran Strike e Robin Ellacott tem sido cada vez mais gratificante. Ambos são personagens carismáticos, Strike pela rabugice e Robin pela doçura. E os pontos em comum dos dois ‒ força de caráter e de vontade, amor pela profissão y otras cositas más ‒ mostram a maestria de Galbraith na construção de personagens complexos. Os dois detetives têm solucionado casos cada vez mais intrincados, e a coerência que faltava entre os primeiros títulos da série tem sido mais bem construída nos últimos três. Esses fatores enriqueceram muito a experiência de leitura. 

Dito isso, gostaria de avisar que a ordem dos livros não altera a compreensão de forma significativa. Se tiver curiosidade em começar por “The running grave”, vá fundo. Tia J. K. pega na nossa mão no início e nos situa no andamento das questões pessoais e burocráticas dos detetives e da agência deles. Quanto ao mistério, cada livro traz o seu, então basta iniciar a leitura e se deixar enredar pela trama. Até a data desta postagem, “The running grave” ainda não tem data de publicação definida no Brasil, mas os romances anteriores, “Sangue revolto” e “O coração de nanquim”, são igualmente bons.



18.

“Música para camaleões”, de Truman Capote (Companhia das Letras, Tradução de Sergio Flaksman)

Este livro recheado de boas histórias e escrito de maneira magistral por um de meus autores favoritos tem resenha completa aqui. Ele está disponível, para leitura gratuita, na BibliON.



19. “História da bruxaria”, de Jeffrey B. Russell e Brooks Alexander (Goya / Aleph, Tradução de Álvaro Cabral e William Lagos)

“Eu não creio em bruxas, mas elas existem”, lê-se na contracapa da nova edição de “História da bruxaria”. A citação, afirma no prefácio o historiador Jeffrey B. Russell, é de uma frase popular galega. Eu, interessada em misticismo desde criança, sempre acreditei em bruxas e por isso desejava ler esse livro há anos. Agora posso dizer que as expectativas criadas nesse período foram superadas.

Escrito a quatro mãos com o jornalista e estudioso de religiões Brooks Alexander,  “História da bruxaria” é claro, objetivo e interessante do início ao fim. O livro começa explicando as diferenças entre “bruxaria” e “feitiçaria” e suas origens na antiguidade. Depois, passa pela disseminação da bruxaria interpretada como “satanismo” pela Europa, sua chegada ao continente americano e as inquisições em ambos. Em seguida, os autores exploram o fascínio do tema na cultura pop. A obra é finalizada com uma análise das atuais religiões neopagãs, como a Wicca, e contém ainda um capítulo com projeções para o futuro delas. 

“História da bruxaria” é uma aula completa, porém concisa (tem apenas 343 páginas) sobre o tema. A edição de 2022 tem capa da artista brasileira Sabrina Gevaerd e, além de chamativa, ilustra a visão difundida na atualidade por representantes do neopaganismo. É um livro bem pesquisado e escrito de forma competente, para ser lido e relido por curiosos como eu e estudiosos.


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