#18 Melhores Leituras de 2023, Parte 1/2

     Várias ótimas leituras deste ano aconteceram quando eu ainda não escrevia por aqui. Então eu quis aproveitar a época de retrospectivas para falar desses livros. Vai ser um “top 19”, assim nenhum favorito meu ficará de fora. Hoje falarei dos dez primeiros. Os restantes ficam para a semana que vem. Quem adoramos listas? 😄

    Os livros aparecem aqui na ordem em que foram lidos, e não de preferência. 

    Note ainda que a esmagadora maioria dos livros não foi publicada em 2023. 

    Sem mais delongas, vamos à lista.


“1808”, de Laurentino Gomes (Globo Livros)

Nesse primeiro livro da trilogia de Laurentino Gomes, aprendemos (ou relembramos da época da escola) de forma interessante e concisa sobre o período histórico em questão e assim entendemos a construção do Brasil que conhecemos hoje. Os outros livros, “1822” e “1889”, apesar de bons, são por vezes repetitivos. Os três proporcionaram uma leitura que em alguns momentos me deprimiu, por revelar que a mentalidade política e social da maioria dos governantes brasileiros evoluiu pouco desde o século XIX. Considero essa leitura importante para refletirmos sobre o país e a(s) nossa(s) cultura(s). Vale ler a trilogia completa mas esse, para mim, foi o melhor dos livros. A escrita de Gomes é fluida e didática sem pedantismo.


"O castelo animado”, de Diana Wynne Jones (Selo “Galera” da Editora Record, Tradução de Raquel Zampil)

A fantasia “O castelo animado” me fez querer devorá-la! É encantadora a história da garota Sophie, que desagrada uma bruxa e por isso é transformada em idosa. A partir daí, quanto menos se souber da jornada da protagonista, melhor, pois essa é uma aventura para ser vivida junto com ela. Sophie vai, é claro, passar pelo castelo do título, conhecer outros personagens interessantes, como o egocêntrico mago Howl e Calcifer, o demônio do fogo. Além disso, ela aprenderá a respeito de si mesma, como não poderia deixar de acontecer em uma jornada da heroína.

Eu tinha assistido (e amado) a animação inspirada no livro. Ela tem alguns pontos diferentes da história original, mas a essência da obra está lá, captada com maestria pelo trabalho sempre incrível do Studio Ghibli. Mas gostei ainda mais de conhecer a escrita fluida e imagética de Wynne Jones, que me transportou novamente para um mundo fantástico de onde eu não queria sair. A brilhante construção de cenários e personagens, um enredo bem estruturado e o ritmo agradável da narrativa são os responsáveis por essa vontade de ler “só mais um capítulo” sempre que um deles terminava.

Ainda não li o resto da trilogia, mas pretendo, embora esteja cética quanto a gostar tanto dos outros dois livros, “O castelo no ar” e “A casa dos muitos caminhos”.


“Domingo”, de Ana Lis Soares (Instante)

No primeiro romance de Ana Lis Soares, “Domingo”, encontramos várias histórias curtas, todas acontecidas nesse dia da semana. Personagens de cada uma delas conectam-se em maior ou menor grau.

A apresentação do livro, assinada por outra grande autora contemporânea, Maria Valéria Rezende, afirma que “cada vida humana contém em si o embrião de um romance”. E é a partir de ações e vivências cotidianas, como ir à feira ou a um almoço em família, que Ana Lis constrói sua narrativa poética. Detalhes banais de domingos de algumas personagens me emocionaram e fizeram lembrar que há poesia no corriqueiro e familiaridade na aparente distância que guardamos de pessoas e seus contextos de vida.

Esse livro é fininho e a escrita da Ana é simples e de fácil leitura, porém delicada e profunda. Eu “economizei” o livro ao máximo, pois não queria que as 253 páginas acabassem tão cedo e já tenho planos para releitura(s).

Outro ponto que merece destaque nessa edição é a arte. Na capa e no início dos capítulos, há bordados (concebidos e realizados por Fabiana e Olga Yoshikawa e fotografados por Isabella Maiolino, com diagramação do Estúdio Dito e Feito) que remetem ao entrelaçamento das histórias narradas aqui. Uma camada a mais de beleza em uma obra encantadora.

Ana Lis tem um canal no YouTube onde dá dicas de leituras que casam bem com meu gosto pessoal. Dá uma olhada, quem sabe você se identifica também. Ah, e leia “Domingo”, claro.


“O avesso da pele”, de Jefferson Tenório (Companhia das Letras)

A história de Pedro, cujo pai foi assassinado em uma abordagem policial, é o veículo do autor para falar de relações familiares, racismo, violência institucional e o sistema educacional brasileiro. 

No ano passado, li o ótimo “Torto arado”, que também traz temas relativos à negritude e me chocou logo no início. “O avesso da pele” me deu vários socos no estômago a cada capítulo e acabou comigo em seu final impactante. É um livraço, mas recomendo que seja lido quando você estiver com o equilíbrio emocional e psicológico em dia. 


“Laços”, de Domenico Starnone (Todavia, Tradução de Maurício Santana Dias)

Na época do burburinho criado pela tetralogia napolita de Elena Ferrante, notícias ligando-a a Starnone me deixaram curiosa para lê-lo também. Terminei a série de livros e a vida de leitora me levou por caminhos diferentes. Até que neste ano encontrei “Laços”, do suposto senhor Ferrante, na biblioteca.

No início, achei banal a história de Aldo e Vanda, que após voltarem de viagem, encontram seu apartamento revirado. A partir das reações de cada um dos personagens ao incidente e suas memórias da vida em comum, é que se revela a graça da sutileza da narrativa de Starnone. O buraco dessa história é muitíssimo mais embaixo, só lendo para entender. O final do romance foi inesperado e chocante para mim. A leitura foi uma grata surpresa de 2023.


“O projeto Jane Austen”, de Kathleen A. Flynn (Selo “Única” da Editora Gente, Tradução de Sandra Martha Dolinski)

Fã de Jane Austen que sou, costumo ler e assistir adaptações e spin offs de sua obra. Este ano, foi a vez de “O projeto Jane Austen”. Ler uma narrativa em que outra paixão minha, histórias de viagem no tempo, é combinada ao universo de Austen foi um prazer imenso.

O projeto do título consiste em enviar uma mulher e um homem dos tempos atuais de volta ao período da Regência inglesa. Lá, fingindo ser irmãos, eles devem recuperar o manuscrito de um livro inacabado da autora de Northanger Abbey.

A narrativa envolvente e as situações embaraçosas pelas quais os protagonistas passam no século XIX já seriam motivos suficientes para eu aproveitar a leitura. Mas existem também as relações de amizade entre Rachel e Jane, o flerte entre esta e Liam e outros casais formados no decorrer da trama, que geram as confusões obrigatórias em obras românticas. Flynn dá conta de desenvolver cada tema de modo claro e prazeroso de ler e no final, amarrar todas as pontas de maneira satisfatória. Foi uma das minhas leituras mais leves e divertidas deste ano.


“As garotas da fábrica ‒ Da aldeia à cidade, numa China em transformação", de Leslie T. Chang (Intrínseca, Tradução de Clóvis Marques)

A jornalista norte-americana Leslie T. Chang viveu na China durante três anos para escrever sobre as mudanças econômicas que têm levado jovens do interior do país a migrarem para grandes cidades e trabalhar em fábricas e no comércio. O livro-reportagem relata ainda a contraparte desse cenário, ou seja, como o êxodo para centros urbanos tem causado transformações sociais profundas na tradicional cultura chinesa.

Algumas reflexões que a leitura me trouxe foram sobre os impactos da globalização em povos e economias a princípio diversas, como a brasileira e a chinesa. Pensei também sobre o papel que nossas escolhas diárias de consumo exercem nessas mudanças.  A influência do marketing e a cultura de consumo em que vivemos são outro tema que é possível avaliar aqui.

Além de uma leitura informativa, Chang proporciona interesse pessoal ao contar as histórias particulares de suas principais entrevistadas, na maioria mulheres. Filha de chineses, a jornalista também coloca-se como “personagem” no livro, pois utiliza seu período na China para investigar e coletar dados a respeito da própria família.

Foi uma leitura fora da minha zona de conforto e de que gostei demais. Recomendo. O livro está esgotado em livrarias, mas pode ser encontrado em sebos.


“O poder”, de Naomi Alderman (Planeta, Tradução de Rogerio Galindo)

Após assistir o primeiro episódio da adaptação de “O poder”, concluí que essa história tem mais complexidade do que a TV pode abarcar. Por isso, li o livro antes de continuar a série e foi uma decisão acertada.

O ponto inicial da trama é um mundo (distópico ou utópico? Leia e decida por si) onde mulheres jovens adquirem o poder do eletrochoque. Os desdobramentos sociais e políticos dessa novidade são da categoria “hipóteses na ficção que mais explodiram a minha mente até hoje”. Acompanhamos os pontos de vista de personagens em diferentes países e contextos sociais, como Roxy, ‒ filha de um chefe do crime organizado britânico ‒ Allie, ‒ órfã que vive em um lar temporário abusivo e Tunde ‒ um correspondente internacional que noticia como a situação repercute em diferentes regiões.

No livro, temos a sugestão de que a história seja um tratado sociológico de fatos ocorridos no passado. Para “comprovar” a teoria, ele mostra “documentos” e artefatos do período em que o poder era “real”. Essa foi uma das sacadas que mais gostei na escrita de Alderman. Para saber se isso vai se repetir na TV, esperemos a próxima temporada. Mas creio que é um detalhe que “cabe” melhor na narrativa escrita. De qualquer maneira, finalizei a primeira temporada da série após ler o livro e gostei das duas. Recomendo ler antes de assistir, é claro.


Eleanor Oliphant está muito bem”, de Gail Honeyman (Fábrica 231, Tradução de Edmundo Barreiros)

Eleanor Oliphant é uma analista financeira de 29 anos que gosta de comer sanduíches e fazer palavras cruzadas em seu horário de almoço. Ela mora em um apartamento em Glasgow com sua “planta de estimação”. Eleanor considera-se uma pessoal “normal”, mas seus colegas de trabalho discordam. Eles a evitam e falam mal dela pelas costas, pois a acham muito estranha, a começar por sua aparência e suas roupas. A moça possui 0% de traquejo social e carisma e não tem amigos, mas isso não a preocupa. A maneira prática e eficiente com que ela trata questões cotidianas causa espanto em quase todos ao seu redor ‒ e riso no leitor. A exceção é Raymond, um colega de trabalho que, ao viver com Eleanor uma experiência inusitada, aproxima-se dela. Isso leva os dois a desenvolverem uma relação de amizade e muda a rotina e o futuro de ambos.

“Eleanor Oliphant está muito bem” foi, sem dúvida, o livro mais engraçado que li em 2023, apesar de seus principais temas serem saúde mental e violência parental. A escrita de Honeyman consegue trazer leveza para tópicos dolorosos sem, no entanto, banalizá-los. Isso é feito com o questionamento sobre o que é ser “normal” apresentado nas interações sociais de Eleanor. Além dos conflitos de opinião entre a protagonista e seus interlocutores, o desenvolvimento do enredo mostra como Eleanor tornou-se quem é e revela, tanto para ela quanto para os leitores, a importância das relações humanas na construção de todos nós.

Esse livro também pode ser encontrado em sebos ou lido gratuitamente na BibliON.


"Solitária", de Eliana Alves Cruz (Companhia das Letras) 

No condomínio de luxo onde trabalha como doméstica, Eunice testemunha um crime chocante. Esse é o ponto de partida para conhecermos a história de vida dela e de sua filha Mabel, criada no “quartinho de empregada”. Narrado de três pontos de vista diferentes, “Solitária” fala de relações familiares, racismo estrutural e como ele continua presente nas interações entre patrões e empregadas. É um livro forte, incômodo e por isso mesmo importante.


Na semana que vem, a parte dois da lista ;)


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