#16 Música para camaleões, de Truman Capote

 

(Companhia das Letras, Tradução de Sergio Flaksman)


Falei aqui da minha "amizade" de longa data com True Heart (descobri esse apelido dele neste filme que, aliás, adorei) e das expectativas que eu tinha pelo nosso reencontro. É comum, nesses casos, rolar uma decepção, mas desta vez, não. Muito pelo contrário, “Música para camaleões” tornou-se meu novo livro favorito do autor.

No prefácio, Capote conta um pouco de sua trajetória literária e explica como aprimorou sua escrita ao longo de 40 anos de trabalho até chegar ao estilo que demonstra nesta obra. Sua intenção, segundo ele, era ir na contramão de outros autores e assim “escrever de menos”, construindo um texto que, embora sucinto, contivesse técnicas de outros estilos de escrita, como a poesia e o texto jornalístico. Ele faz isso ao contar, como ele próprio define, “conversas corriqueiras travadas com pessoas do cotidiano”. Algumas dessas eram anônimas. Outras, estrelas de cinema, escritores consagrados e personalidades da política.

As histórias da parte I do livro foram as que mais me marcaram. Porém, o conto que dá título à coletânea, apesar de primorosamente escrito no melhor estilo colorido Capotiano, não me tocou.

O segundo, “O sr. Jones”, a história de um ex-vizinho “diferentão” do autor, já mostrou a que veio com sua irreverência e o final inusitado. 

Em “Uma luz na janela”, conhecemos a história de uma carona que deu errado mas acabou propiciando que o autor conhecesse a sra. Kelly, uma idosa fofa, fã de literatura, que o acolhe em sua casa. A narrativa, assim como a sra. Kelly, é de uma singeleza cativante. Até deixar de ser! Outra grande surpresa aqui, e eu, claro, não vou estragá-la.

Meu conto preferido é “Mojave”, pela assertividade, honestidade e ao mesmo tempo delicadeza com que trata de relacionamentos conjugais.

A sra. Ferguson de “O fulgor” é meu tipo de personagem! Meio bruxa, meio calejada na vida, portanto meio sobrenatural, meio malandra, ela dá, com o perdão do trocadilho infame, brilho a essa história. Ela promete atender a um pedido do menino Truman, mas isso terá um preço.

A parte II contém apenas um conto, "Caixões entalhados à mão", o mais longo de todos, sobre uma série de assassinatos em uma cidadezinha no oeste dos EUA e as tentativas do chefe de polícia local de solucionar os crimes. Embora interessante de acompanhar, essa história é das que menos gostei.

Na parte III, a última, chamada “Retratos por conversação”, temos, como indicado no título, uma série de histórias contadas por meio de conversas do autor com pessoas que conheceu. Entre as “pessoas comuns” encontramos as figuras Mary Sanchez, diarista maconheira que Truman acompanha em um dia de trabalho; George Claxton, um alcoólatra e pedófilo; uma dona de bar chamada Big Junebug Johnson, uma prostituta, seu cafetão e Jackson Square, em New Orleans, como personagens de uma mesma história. Os famosos são a atriz e cantora Pearl Bailey, numa trama cômica em que ajuda Capote a se esconder da polícia; Robert Beausoleil, um dos assassinos aliados a Charles Manson (sim, o autor tinha um fascínio por criminosos, por isso conheceu e visitou muitos, em pesquisas para seus escritos). E o penúltimo conto, “Uma criança linda”, mostra Marilyn Monroe como uma mulher comum, cheia de inseguranças usuais e mais aquelas implantadas por sua condição de famosa e símbolo sexual. Essa história também cita outras celebridades da época e conta algumas fofocas suculentas delas.

O conto que encerra o livro, “Turnos noturnos ou Como gêmeos siameses fazem sexo” (cujo título me deixou curiosíssima durante toda a leitura do livro!), traz uma auto-entrevista de Capote, algo que achei sensacional, como também aconteceu neste livro, com suas reflexões sobre fé – é lindo o relato sobre seus passeios na infância com (a pagã, adoro!) tia Sook e a explicação dela de que “Era lá que os elfos moravam, debaixo daqueles lindos cogumelos” e que todas as coisas da natureza “tanto o bom quanto o mau”, era determinado por Deus e como o Truman um pouco mais velho notou que nas igrejas fala-se de algo totalmente diferente do que ele tinha aprendido com a tia “E a própria Bíblia (…) Onde estavam os cogumelos?...”. Tudo isso temperado com mais podres de celebridades e comentários sobre os desafetos do autor.

A maestria de Capote está em tornar igualmente instigantes as histórias de famosos e de desconhecidos, as crises monumentais e os dramas prosaicos. Afinal, é tudo muito humano! E ele embeleza isso com descrições vívidas dos vários lugares onde esteve ou viveu, desde cidadezinhas interioranas nos EUA, passando pelas grandes como Los Angeles e as capitais europeias, incluindo parte do leste deste continente, até lugares vistos como exóticos, como Martinica. Em sua obra é tudo tão policromático que, ao lê-lo, eu tenho a impressão de estar lá também, tomando chá ou uísque com pessoas interessantíssimas.

De alguns anos para cá, fiz uma desintoxicação. Para preservar o equilíbrio da minha saúde mental, eu não assisto nem leio mais nada sobre crimes reais. Por isso, muito provavelmente não vou reler “A sangue frio”, que até então era meu livro favorito de Capote. Ainda bem que encontrei “Música para camaleões” para recolonizar esse posto! Enquanto eu lia, já planejava minha releitura desse livro delicioso.

Recomendo para: qualquer pessoa que ainda não tenha lido o autor ou tenha feito isso há muito tempo. Também para quem gosta de histórias extremamente bem contadas, com um estilo rico e único, mas sem rebuscamento ou artificialidade.

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