#1 Por quem os sinos dobram, de Ernest Hemingway


(Bertrand Brasil, Tradução de Luiz Peazê)

    Muitos leitores já devem ter ouvido que há  o momento “certo” para ler determinados livros e sobre os “perigos” de lê-los “por obrigação” ou “na hora errada”.


Eu li “O velho e o mar” e “Paris é uma festa” na adolescência, lá pelos 15 ou 16 anos, se me lembro bem. Li porque quis e devo ter gostado do primeiro livro, ou não teria lido o segundo. Acontece que a única coisa que me lembro da autobiografia romanceada do Hemingway é que, ao terminar a leitura, pensei “não entendi por que esse livro é tão aclamado”.


E nunca mais tinha procurado nada do autor até recentemente, quando li “A autobiografia de Alice B. Toklas”, da Gertrude Stein e fiquei enlouquecida com as referências culturais da época em que ela, Hemingway e tantos outros artistas conviveram e colaboraram uns com os outros em Paris. Para dar outra chance ao autor, escolhi “Por quem os sinos dobram”.


Ao ler o romance, originalmente publicado em 1940, tive a impressão de que, de fato, há momentos certos e errados para ler um autor ou uma obra, porque desta vez eu amei a escrita e comecei a me perguntar os motivos para ter simplesmente apagado da memória os outros dois livros dele que li antes. “Ah, mas os outros livros do autor não são este que você leu agora!”, dirão vocês. Sim, isso é verdade. E também é verdade que eu percebi nesta leitura recente que Hemingway fez o que tantos outros grandes autores fizeram antes e depois dele: escreveu sobre temas relevantes (alguns universais, outros nem tanto), sim, mas a maior realização literária dele(s) foi deixar entrelinhas e “não-ditos” que povoam a cabeça do leitor e podem ressoar por muito tempo depois da leitura. E foi isso que meu eu da adolescência não conseguiu captar.


O enredo de “Por quem os sinos dobram” é a missão do protagonista, o norte-americano Robert Jordan, que luta na Espanha do período da Guerra Civil do lado dos republicanos, de dinamitar uma ponte. Para isso ele vai ter a ajuda de alguns outros personagens tão marcantes e fascinantes quanto ele ou até mais.


A maioria dos capítulos conta a história do ponto de vista de Jordan, mas vários deles são narrados sob a perspectiva dos outros personagens. Esse recurso tão comum na literatura de ficção, da forma que foi utilizado por Hemingway aqui me fez pensar muito na teoria literária da “não-confiabilidade” do narrador. Para quem esqueceu dessa aula ou não esteve nela, resumo: é comum dizer que o narrador em primeira pessoa conta a história da mesma maneira que a vive ‒ subjetivamente e que, sendo assim, ele não é parcial e pode (e com frequência vai, mesmo que de modo inconsciente) distorcer os “fatos” que narra. Pois bem, o narrador em “Por quem os sinos dobram” é onisciente, mas mesmo assim ele deixa de contar a perspectiva de um dos personagens (leia o livro pra saber de qual!) e isso ajuda no suspense da trama, já que ficamos nos perguntando o que estaria passando pela cabeça do dito cujo. Quer coisa mais tendenciosa e maravilhosa, no caso deste livro do que isso? Por isso eu descobri uma nova América e fiquei pensando em quantas vezes a pouca idade pode ter impactado a minha compreensão de outros livros lidos sem que eu percebesse na época. Será o caso de reler todos os livros da minha vida? (Pausa para reflexão.)


E ainda nem falei do quanto o livro prendeu a minha atenção. Como o post já ficou longo, só digo que eu programei lê-lo em um mês (porque sou dessas que programa o tempo de leitura) e o terminei em quinze dias.


Fora tudo isso, você vai ler por aí que o livro é uma crítica à brutalidade da guerra etc. etc. Sim, “Por quem os sinos dobram” é isso e muitíssimo mais. Para mim, foi, principalmente o (re)encontro com um autor fenomenal. Agora, partiu reler “Paris é uma festa”!


Recomendo para quem gosta de boas histórias E histórias bem contadas existe uma grande diferença e é lindo ver Hemingway fazer as duas coisas acontecerem. E, claro, indico para quem gosta de narrativas sobre guerras.


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