#5 Adua, de Igiaba Scego


 (Editora Nós, Tradução de Francesca Cricelli)
Há alguns anos, quando Igiaba Scego foi publicada no Brasil e aqui esteve em eventos literários, eu ouvi comentários sobre sua obra, então sabia que ela é uma autora italiana de ascendência somali e que “escreve sobre colonialismo”. Quando peguei o livro para ler, umas duas semanas atrás, achei que tinha chegado a hora de conhecer a escrita dela e pensei “este livro não vai interferir muito nas outras várias coisas que estou lendo, porque é fino”. Eu definitivamente não estava preparada para o que estava por vir.
A surpresa começou com a estrutura narrativa do romance, bem diferente do que tenho lido. São capítulos narrados em primeira pessoa pela protagonista, Adua, intercalados com o ponto de vista de seu pai, Zoppe, mostrado por um narrador onisciente. Há também capítulos chamados “sermões”, onde Zoppe comunica-se diretamente com a filha. 
No início do livro, Adua é uma mulher idosa contando seu cotidiano, que inclui um marido bem mais jovem. A narração sobre Zoppe, por outro lado, inicia-se em 1934, portanto na juventude dele. Ao longo do livro, a progressão temporal é invertida, mostrando as memórias de infância e adolescência de Adua, enquanto a história de Zoppe ‒ e a do colonialismo italiano ‒ avança de maneira cronológica.  
Mesmo ciente de que seria uma narrativa também sobre colonialismo, eu não esperava tanta violência e desalento. O enredo progride, as personagens mudam de local e de condição, mas a violência constante as acompanha. Como diz o texto da orelha da edição, aqui há colonialismo, fascismo e imigração, mas essa é só uma das camadas da leitura. Na minha interpretação, outras questões trazidas à tona em “Adua” são a mentalidade militarista do mundo de ontem e de hoje, o sexismo e o racismo. 
Além dos temas mais evidentes, o livro trata, de maneira sutil, da violência familiar, mostrada na relação problemática de Adua com seu marido, a quem ela chama pelo apelido “Titanic” durante quase toda a narrativa (essa questão é examinada pela autora na nota histórica ao final do livro) e também da relação dela com Zoppe, evidenciada logo no título dos tais “sermões”. Há ainda menção à infibulação feminina que na narrativa, a meu ver, simboliza a agressividade da cultura sobre o indivíduo.
Além das variadas situações de violência expostas aqui, outro desconforto meu durante a leitura foi o de não saber nada a respeito da cultura ou mesmo da localização exata dos países por onde os personagens transitam, ‒ Somália, Etiópia e Eritreia. Isso me obrigou a fazer muitas pesquisas.
"Adua" foi um romance que me ensinou muito sobre um recorte na história mundial, colocou no meu mapa interno alguns países novos (para mim) e me lembrou da diversidade cultural existente no mundo. Mesmo assim, ele não é nem um pouco didático ou panfletário. É, na verdade, uma narrativa atípica e muito bem elaborada que, como só a boa literatura é capaz de fazer, me envolveu do início ao fim apesar do estranhamento causado. Agora posso voltara mergulhar nas minhas outras leituras atuais.

Recomendo para quem quer sair da sua zona de conforto literária.


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