# 54 Dica dupla: A ilha do tesouro, Robert Louis Stevenson e O Ateneu, Raul Pompeia

 

  

Foto 1: (Capa: Amazon Classics), Foto 2: (Tradução: Samir Machado de Machado, Capa: Giovanna Cianelli)    



Em agosto, li Treasure island (1833) com o apoio da tradução de Samir Machado de Machado para a editora Antofágica. Esta me ajudou a entender os termos náuticos que, mesmo em português, pedem notas explicativas. As belas ilustrações de Paula Puiupo na edição brasileira foram um bônus. Numa maravilhosa aula em duas partes que começa aqui, o professor José Garcez Ghirardi mostra como essa aventura, aparentemente bobinha, tem outras camadas, relativas às colonizações britânicas no século XIX. 

Se você quiser apenas relaxar, saiba que “A ilha do tesouro” tem uma narrativa deliciosa de acompanhar, e só por isso já recomendo a leitura. Ou, se preferir outro tipo de experiência, vale assistir uma das inúmeras adaptações cinematográficas do romance de Stevenson. Como esta, roteirizada por Orson Welles, em que ele também atua como o pirata Long John Silver, meu personagem favorito. 

Ainda na vibe bucaneira, reassisti um dos meus filmes preferidos do gênero, “A ilha da Garganta Cortada” (Cutthroat Island, 1996). Adorei como da primeira vez e recomendo ver Geena Davis como a ass-kicking Morgan Adams.



 Li também o clássico brasileiro “O Ateneu” (1888), de Raul Pompeia. Nele, acompanhamos o garoto Sérgio. Aos 11 anos, ele é matriculado por seu pai no colégio fictício do título. Caro e bem conceituado no Rio de Janeiro, por dentro o Ateneu revela-se palco de injustiças, hipocrisia e brutalidades narradas nas memórias do protagonista.


Ao pesquisar sobre o romance, li em algum lugar que é a única obra impressionista da literatura brasileira. Fiquei curiosa em saber detalhes, já que até então eu só tinha ouvido falar do Impressionismo nas artes plásticas. Pesquisando mais a fundo, encontrei este ótimo artigo, que traz um panorama do movimento artístico, define suas características e relaciona tudo com a história escrita por Pompeia.

Para explicar muito resumidamente, o foco do Impressionismo Literário era em retratar coisas e fatos de acordo com a percepção que as personagens tinham deles. Dentre as características da linguagem impressionista (uso de metáforas e inversão da ordem direta das frases, por exemplo), a que fica evidente em “O Ateneu” é a sonoridade das frases. Abaixo, uma amostra que recomendo ler em voz alta, para sentir o efeito. É um momento em que Sérgio ouve alguém tocar ao piano uma canção, acredita ele, de Gottschalk:


Aquele esforço agonizante dos sons, lentos, pungidos, angústia deliciosa de extremo gozo em que pode ficar a vida porque fora uma conclusão triunfal. Notas graves, uma, uma; pausas de silêncio e treva em que o instrumento sucumbe e logo um dia claro de renascença, que ilumina o mundo fantástico do relâmpago, que a escuridão novamente abate…


Não sei você, mas eu acho lindíssimo!

Como já deve ter percebido, a CDF que habita em mim amou descobrir um “novo” gênero literário. Além disso, onde mais eu teria contato com palavras incríveis da nossa língua como “facúndia” (= facilidade para falar em público), “encômio” (= elogio) e “nitente” (= brilhante)?

Apesar do estilo e da linguagem refinados, as ações em “O Ateneu” acontecem rapidamente e os conflitos surgem e são solucionados de forma satisfatória em cada capítulo. Aliás, enfatizar as descrições e os sentimentos em detrimento das ações é um recurso característico do Impressionismo.


Contemporâneo de Machado de Assis e fluminense como ele, Pompeia também utiliza seu romance para criticar a sociedade da época. Um dos temas mais ousados tratado pelo autor em “O Ateneu” é a  homossexualidade masculina. 

Outra semelhança que observei entre Raul Pompeia e Machadão é que no capítulo XII de “O Ateneu”, Sérgio vive algo parecido com o protagonista de “Uns braços”, conto do  Bruxo do Cosme Velho. Esse conto, por sinal, tem uma adaptação para a série antológica “Os imortais”, disponível no Amazon Prime Video. Ela é bem produzida e adaptou obras de outros autores clássicos nacionais. Dê uma olhada se você curte filmes e séries de época.

O único ponto negativo em “O Ateneu”, a meu ver, foi o final deus ex machina dado pelo autor. Mesmo assim, a experiência de leitura como um todo foi muito boa.

Então fica(m) a(s) dica(s): Dois romances clássicos do século XIX que têm em comum protagonistas pré-adolescentes. O primeiro, órfão, sai de casa e vive aventuras interessantes (ainda que rocambolescas) e o segundo, ao contrário, precisa “andar na linha” de acordo com a rotina estrita do ambiente escolar que lhe foi imposta pelo pai. 

E dois autores clássicos que valem a leitura. Um escreveu em linguagem simples e direta. O outro, em floreios lexicais e estilísticos. Estilos opostos em livros que, curiosamente, me atraíram simultaneamente.

Espero que pelo menos um deles tenha chamado a sua atenção e você possa conhecer. Ah, não custa lembrar: essas obras antigas, por estarem em domínio público, têm diversas edições e são fáceis de encontrar em bibliotecas físicas e online, como a querida BibliON.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

#35 Contos indígenas brasileiros, de Daniel Munduruku

#21 A última casa da Rua Needless, de Catriona Ward

#1 Por quem os sinos dobram, de Ernest Hemingway