#57 Poemas pro Halloween e pro Dia do Saci



(Ilustração de Gustave Doré (1832-1883) para The raven no Pinterest)


Mantenho aquele recém-adquirido hábito de ler poesia. Neste mês do horror, reli dois poemas clássicos da língua inglesa, The raven (1845), de Edgar Allan Poe e The rime of the ancient mariner (1798), de Samuel Taylor Coleridge. O primeiro, eu só tinha lido na adolescência e o segundo, na faculdade.

Eu não sou uma grande fã de releituras, mas às vezes as faço. É curioso ver a mudança na nossa percepção de um texto conforme (ele e nós) envelhecemos. Portanto, recomendo o exercício. 

Eis a minha experiência:

É tanta sofrência que até a morte tá cansadinha.

Todas as ilustrações de Doré para o livro de Poe


The raven (“O corvo”) é a história de um cara deprimido e talvez enlouquecido pela perda de sua amada Lenore. Assim como Gonçalves Dias, o protagonista de The raven “cisma sozinho à noite", remoendo seu luto, até que um corvo entra pela janela para lhe fazer companhia. A ave, no entanto, faz jus ao ditado “antes só do que mal acompanhado” e acaba por atormentar ainda mais o enlutado.

Além de ser um poema narrativo, algo que já acho extraordinário, The raven tem uma musicalidade linda, então recomendo fortemente ouvir a declamação dele, seja no idioma original ou em português. Há muitas versões disponíveis por aí e no final deste post eu compartilho duas delas.

Nesta releitura, encontrei uma história carregada de elementos psicológicos. Há mais depressão por conta do luto do que uma narrativa propriamente macabra, como ela costuma ser vendida. De qualquer maneira, há quem diga que a vida real é mais aterrorizante do que a possibilidade do sobrenatural. Depende do gosto filosófico do freguês-leitor.


Que corvo que nada! Terror de verdade é aqui.

As ilustrações, também de Doré, para o texto de Coleridge podem ser vistas

 (e compradas!) aqui

O segundo poema do mês, The rime of the ancient mariner (“A balada do velho marinheiro”) também é narrativo. Nós, leitores, nos tornamos co-interlocutores quando um dos convidados numa festa de casamento é abordado pelo personagem do título. O idoso começa a narrar os eventos de uma viagem tripulada por 200 homens da qual foi o único sobrevivente. O ponto-chave é o fato dele se considerar o causador dos acontecimentos.

A poesia de Coleridge é menos conhecida que a de Poe aqui no Brasil, mas é tão potente quanto. No caso do poema britânico, a maior força está nas imagens. A do albatroz ao redor do pescoço do velho marinheiro ficou gravada na minha mente desde que conheci a história.

A aula em que estudamos The rime of the ancient mariner na faculdade me marcou muito, pois me fez chorar na maior parte da declamação. Na época, eu percebi os aspectos emocionais do enredo e o sentimento de culpa do protagonista. Na leitura atual, me ocorreu a possibilidade do narrador ser mentiroso, insano ou até um fantasma. O poema também inspirou uma canção quase homônima do Iron Maiden que é uma das minhas favoritas da banda.

Só agora, enquanto escrevo, noto que na releitura de The rime …, parti do real ao fantasioso.  Em The raven fiz o caminho inverso, pois na primeira leitura eu só via o sobrenatural. Portanto, posso dizer que, desde então, a leitora em mim amadureceu e atualmente eu consigo enxergar novas camadas e nuances nas duas obras. 





(Imagem: recadosface.com)


Agora vamos à parte brazuca das comemorações.

Eu, que achava que Vinícius de Moraes só escrevia obras líricas e letras de música para pegar mulher, me surpreendi ao descobrir não apenas um, mas todo um volume de poemas macabros do poetinha. Neste site, soube dessa informação e pude ler seis deles. “Balada do enterrado vivo” me apavorou. 

Com título e conteúdo auto-explicativos, o texto me lembrou muito a cena de Kill Bill vol.2 em que A Noiva, vivida por Uma Thurman, acorda e se percebe  enterrada e, ainda pior: com mãos e pés atados. O filme conseguiu me dar uma noção do que é claustrofobia quando o assisti pela primeira vez, no cinema. Com o poema, sem pontuação, a sensação é parecida.

Dos três poemas lidos em outubro, o de Vinícius me parece o mais simples, provavelmente por não ter a barreira do idioma estrangeiro. Sem desmerecer o talento artístico do autor, posso dizer que me senti confortável com a compreensão a ponto de nem procurar uma contextualização do poema. O horror de me imaginar protagonista da cena narrada no texto foi suficiente.

Sim, estou ciente de que associei o único poema brasileiro do post com um filme gringo, mas fazer o quê se a maioria das minhas referências de horror são estrangeiras? Mesmo assim, como o intuito da empreitada do mês era ler dentro da temática terror, para mim foi sucesso ter encontrado o livro do Vinícius. Se você que me lê tiver dicas de poesia macabra em português, favor compartilhar nos comentários e Viva o Dia do Saci!


Se gosta de suspense e terror no audiovisual, tenho outra recomendação. Durante a releitura de “The rime…” me lembrei da excelente minissérie de ficção histórica / suspense chamada The terror (a tradução do título ficou “O terror”, mesmo). Ela conta o caso real de uma expedição marítima britânica que em 1845 tentou atravessar a única parte até então desconhecida da Passagem do Noroeste (próxima ao Círculo Polar Ártico). Vemos o quão ruim deu na vida real e um adicional de elementos sobrenaturais. Quando assisti, a série estava disponível no Prime Video. 



Drica Moraes, como Márcia, na já clássica novela “Chocolate com Pimenta”

 Foto: Pinterest

A diva Ana Rüsche sempre termina sua newsletter anacronista enumerando quantos dias, copos de café, passeios no parque etc. foram necessários para concluir aquela edição. Agora é o momento de me sentir tão sofisticada quanto a autora e mostrar (quase) tudo que assisti, ouvi e li em outubro enquanto escrevia o texto que ora encerro: 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

#35 Contos indígenas brasileiros, de Daniel Munduruku

#21 A última casa da Rua Needless, de Catriona Ward

#1 Por quem os sinos dobram, de Ernest Hemingway