#12 Sobre abandonar leituras

 

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Depois do post anterior, fiquei pensando numa outra causa de ansiedade para leitores ‒ o abandono de leituras. E já vou entregar logo: eu abandono, sim, livros quando me dá vontade! Foi, porém, uma longa jornada até aqui.

Durante boa parte da vida, eu fui o tipo de leitora que fazia questão de sempre terminar todos os livros, por mais chatos ou difíceis que eles fossem. Eu enchia a boca para dizer que assim podia “falar mal com propriedade” quando um deles não me agradasse. Hoje acho isso desnecessário, mas entendo meu eu de ontem que focava no fato de que algumas leituras levam mais tempo do que outras para “engrenarem”. 

Outra razão que antigamente me impedia de deixar de lado uma leitura era um perfeccionismo absurdo. Isso não chegava a “estragar” a leitura como entretenimento, o papel fundamental dela na minha vida, mas tornava o consumo de certas obras mais uma obrigação dentre tantas outras na rotina. Então eu gastava todo o tempo de leitura dos livros detestados tolerando um tormento pelo que eu então pensava ser “um bem maior”, o de “vencer esse obstáculo”. Bem bad vibes, eu sei!  

 A leitora que sou agora tem um pouco mais de autoconhecimento do que a de antes, e isso também influenciou a minha mudança de atitude. É questão de feeling mesmo, então não consigo explicar de modo objetivo, mas em geral, eu atualmente já sei se um livro, mesmo que difícil ou entediante no início, vale a pena para mim naquele momento ou não.

Algumas leituras levam um pouco mais de tempo para se revelarem indigestas, mas mesmo assim deixo de lado se forem pesadas demais. Por exemplo, no início do ano, comecei a ler “Rápido e devagar ‒ Duas formas de pensar”, de Daniel Kahneman. Se não me engano, eu até li a sinopse antes (algo que nem sempre faço) mas, sei lá por que, criei a expectativa de que o livro fosse explicar como funcionam os mecanismos envolvidos em raciocínios como o analítico e o crítico, por exemplo. O autor e a sua equipe, porém, fizeram uma extensa pesquisa a respeito de como muitas vezes tomamos decisões equivocadas por termos como base premissas incorretas, por “ir com a maioria” ou simplesmente por seguir a intuição. Aí já pisou no meu calo, pois eu valorizo muito as percepções que nem sempre podem ser explicadas cientificamente. O melhor do livro de Kahneman, para mim, são os relatos de estudos específicos, em que ele e outros pesquisadores entrevistam pessoas e fazem experimentos diversos. No entanto, depois de alguns capítulos, embora cada pergunta formulada pela equipe fosse diferente, os resultados sempre levavam a um veredito que eu resumiria como “tomar decisões com base em raciocínios nada menos que puramente lógicos é uma burrice”. E isso foi me dando uma preguiça imensa, pois na minha cabeça só o fato de você ser cientista e dedicar anos de estudo para provar que intuição é bobagem me faz pensar que você tem questões emocionais mal resolvidas, talvez com sua própria intuição, talvez com a de outras pessoas. Resultado: parei de ler o livro em 30%. Essa porcentagem, embora alta, foi o que precisei para confirmar que a leitura não era para mim. Fiquei com um pouco de dó por ter ido tão longe e desistido, mas considero o tempo que ainda passaria na leitura muito precioso para ser gasto em sofrimento auto-infligido e, ainda por cima, desnecessário. 

E o tempo é também uma questão crucial aqui. Tenho dezenas de livros na lista de “Quero ler” e quase todos os dias entram novos, além de saber que meu período de vida é limitado, então por que consumir esse recurso escasso com leituras desagradáveis? Outro ponto é que não desejo mais passar meu tempo falando de coisas negativas, desancando autores e obras, então aquele argumento da leitora que fui no passado já não me representa mais.

Por esses motivos, quero mais é me encantar com histórias incríveis, narrativas envolventes, enredos bem construídos, que “me movam”, como disse a querida autora Ana Lis Soares, em um dos vídeos de seu canal, de preferência para um lugar melhor. Por eu ser uma pessoa muito curiosa, me interessa aprender com obras de não-ficção e de viver, por meio de personagens fictícias, coisas novas e interessantes. Com isso não quero dizer só ler livros gostosinhos ou de fácil entendimento, pois também gosto de me desafiar, e o desconforto de situações encontradas em determinados livros muitas vezes reflete as minhas, e lidar com isso indiretamente, pela leitura, me cativa e ajuda também. Quero, portanto, ler para melhorar, e para isso acontecer, além das palavras nas páginas tem que haver a minha presença no momento da leitura em vez de um frenético folhear “pra terminar logo a agonia” de um livro chato.

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