#15 Eu sei por que o pássaro canta na gaiola, de Maya Angelou
(Astral Cultural, Tradução de Regiane Winarski)
Há tempos eu tinha em mente ler “Eu sei por que o pássaro canta na gaiola”, então eu tinha expectativas, ainda que imprecisas, sobre as memórias de Maya Angelou (Marguerite Ann Johnson). Ao ler o início do livro, pensei em colocá-lo nesta lista, pois estava achando a narrativa da autora, de sua ida para o Arkansas com o irmão, Bailey Jr., para morarem com a avó paterna, uma tragédia cultural e familiar pesada demais para o meu momento. Porém, conforme avancei na leitura percebi o quão variados são os capítulos e as personagens da vida de Maya. Se você não sabe nada a respeito dela e não se importa em pegar alguns detalhes que no livro aparecem mais para a frente, dê uma olhada aqui.
Os capítulos iniciais, relatando a massacrante rotina de famílias negras no sul dos EUA na década de 30 e também o que narra um evento traumático ocorrido ainda na infância de Maya foram os mais difíceis de ler, pela crueldade das violências descritas. Sabe aquelas histórias, da literatura e do cinema, contadas em primeira pessoa do ponto de vista de crianças e que deixam nosso coração apertado pela inocência dos narradores em meio a situações-limite? Pois é, Maya faz isso muito bem, com o agravante de estar relatando fatos. Após finalizar o capítulo 12, por exemplo, eu larguei o livro por uns dias para me recuperar do que tinha lido.
Há alívio lírico, porém. Por exemplo, o capítulo em que ela fala da sra. Bertha Flowers, uma amiga da família que, ao ver seu interesse por literatura a incentivou e presenteou com livros, para mim é a descrição mais linda dentro da história, pois fala de pertencimento, não só o da então pequena Maya em meio a condições extremas de vida, mas de todos nós, esquisitos amantes dos livros. Ela diz:
Gostavam de mim, e que diferença isso fez. Eu era respeitada não só por ser neta da sra. Henderson e irmã de Bailey, mas por ser Marguerite Johnson. (...) Não questionei por que a sra. Flowers me escolheu (...) Eu só me importava de ela ter feito biscoitos para mim e ter lido para mim trechos do seu livro favorito.
Pertencimento, aliás, é um tema que permeia a vida de Maya e, em consequência, boa parte do livro, desde sua infância numa família com relações conturbadas até a descoberta da sexualidade, já quase na vida adulta.
Outros destaques no livro, para mim, foram:
A desforra contada no capítulo 16, em que uma madame empertigada, empregadora de Maya, insiste em chamá-la por um apelido em vez de seu nome, é engraçada e libertadora até par ao leitor, imagine como deve ter sido para a autora!
Uma visão diferente, a da migrante preta observando os descendentes de japoneses, levados a campos de concentração em território norte-americano durante a segunda guerra, foi muitíssimo interessante de acompanhar.
A visão feminista de Maya é mostrada, além das suas vivências, em trechos reflexivos como este, que calou fundo em mim.
Acredito que a maioria das garotas comuns é virtuosa por causa da escassez de oportunidades para serem diferentes. Elas se protegem em uma aura de indisponibilidade (pela qual depois de um tempo começam a ganhar crédito) mais como defesa do que como tática.
Maya é uma poeta muito reconhecida e tem uma narrativa poética mesmo em sua prosa, a começar pelo título das memórias, retirado de um poema do também norte-americano Laurence Dunbar, por isso fiquei curiosa e fui ler alguns poemas dela. Além do homônimo ao livro de memórias e do poderoso “Ainda assim eu me levanto”, amei “Mulher fenomenal”. Recomendo fortemente!
Adorei conhecer um pouco da história dessa fenomenal pensadora, artista e ativista, um mulherão da p#&*@!
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