#11 “Síndrome de Estocolmo em Leitores"
“Dsclp, Holden, não foi o que aconteceu quando li a sua história”
Uns anos atrás, li em algum lugar agora perdido na blogosfera um texto sobre o que o autor chamou “Síndrome de Estocolmo em Leitores". Ela seria uma sensação de que deveríamos amar determinado livro, em geral porque ele é um clássico, um best seller ou um sucesso de crítica, e o quanto nos sentimos mal ou, no mínimo, estranhos quando esse amor não floresce. A suposta síndrome, é, além de uma provocação, claro, também uma inversão do que acontece na síndrome real. Mesmo assim, o conceito nunca mais me saiu da cabeça e de vez em quando algumas leituras entram para essa categoria nas minhas listas mentais.
Meu primeiro assim foi “O apanhador no campo de centeio”, de J. D. Salinger. O li aos 12 ou 13 anos e terminei me perguntando “por que isso aqui é considerado um clássico?” Como eu não conhecia mais ninguém que tivesse lido o romance e na época nem existia internet pessoal no Brasil para facilitar uma pesquisa, guardei o questionamento na cabeça e segui a vida. Anos mais tarde, já na graduação em Letras, a professora de tradução pediu para que lêssemos o romance e, dessa segunda vez, fiquei irritada com o protagonista adolescente Holden Caulfield. Na aula de discussão, falei sobre minhas impressões e fiz aquela pergunta antiga. A professora então explicou que “O apanhador” foi o primeiro romance onde um adolescente é descrito como tal, com suas complexidades (e chatices). Até então, disse ela, o “cerumano” era considerado ou criança ou adulto, sem levar em conta as questões hormonais, psicológicas e comportamentais hoje em dia consideradas comuns na fase da adolescência. Eu fiquei “Ah, que interessante, professora! Mesmo assim, o Holden é chato e eu agora tenho certeza de que não gosto desse livro”.
A segunda leitura que posso colocar nessa categoria é “Pedro Páramo”, de Juan Rulfo, lido pela primeira vez na faculdade, indicação de uma professora de literatura entusiasmada com a prosa do mexicano. Creio nem ter entendido bem do que se tratava o enredo naquela época, pois ele foi completamente apagado da minha memória por muito tempo. Ano passado, após ouvir um podcast sobre a obra, quis refazer essa leitura, convicta de que, mais madura literária e psicologicamente, eu desfaria meu “equívoco” da leitura passada. Que nada! Embora o livro comece interessante, depois de tantos personagens, moradores do vilarejo onde o protagonista, Pedro, vai buscar informações sobre o pai desconhecido, e com tantas firulas para dar engenhosidade à trama, fica difícil prestar atenção a tanta gente e tanta história carregada sobre o pai c**ão, que dirá gostar de alguma coisa ali… O progresso foi que desta vez eu entendi aonde o enredo se propõe a chegar e a crítica social nas entrelinhas.
O terceiro e último caso de hoje e um clássico intocável para muitos, eu li já depois da graduação, numa fase em que estava devorando os russos e li muita coisa boa. Pena que “Crime e castigo”, de Fiódor Dostoiévski, não foi uma delas. Eu não estou dizendo que Dostô não soubesse escrever (até porque fiz as pazes com ele ao ler “Os irmão Karamázov”, este sim, para mim, um livraço!), apenas que eu tive dificuldades para finalizar a leitura, feita sempre antes de dormir, porque era tudo tão maçante que eu pegava no sono quase todas as vezes. A menção honrosa vai para a prostituta Sônia, uma personagem muito mais interessante do que o protagonista, Raskolnikov. Eu sei que toda a tese da trama é justamente a psicologia de Raskolnikov e, por extensão, dos humanos enquanto f****os, eu sei mesmo. Mas mais de quinhentas páginas de danos sociais e psicológicos a um personagem para quem eu não dava a mínima foram difíceis de aturar, viu? Esse eu provavelmente nem vou reler. Viver neste mundo e tentar continuar sã deve ser o suficiente de desgraçamento para mim.
Gracinhas e resmungos à parte, o questionamento que eu quero fazer hoje é sobre o porquê de se colocar pressão para gostar do que a maioria gosta (ou diz gostar). Para ganhar carteirinha de membro do grupo xyz? Para mostrar que você é um leitor cult? Para provar que você entende livros complexos?
Gostar ou não de uma obra literária tem a ver com suas expectativas, suas experiências de vida, seus reais interesses (não aqueles que você deseja mostrar para os outros) seu momento atual, as demandas externas e suas condições físicas no momento da leitura, para enumerar apenas alguns fatores. E tudo isso (ao mesmo tempo agora!) é subjetivo demais, logo as chances de amar uma história que muitos amam não são tão grandes quanto a princípio podem parecer. Veja os casos aqui narrados. Mesmo tendo sido uma adolescente chata e difícil, eu não me identifiquei com Holden e as chatices e dificuldades dele. Mesmo tendo percebido as nuances do texto de Rulfo, eu achei tudo muito rocambolesco. E embora compreenda a profundidade dos temas em “Crime e castigo”, eu não consegui dar a mínima para a maior parte dos desdobramentos da trama.
Existem ainda livros e autores que só com certa maturidade podemos assimilar e a partir daí criar identificação. Foi assim comigo e Clarice Lispector e também com Virginia Woolf ‒ ambas lidas por mim quando muito jovem e devidamente detestadas então, mas depois revisitadas e enfim “aproveitadas”. Mas às vezes um autor ou uma literatura simplesmente não é a sua praia (ou montanha ou cidade, por sinal). E tá tudo bem! Por isso, a mensagem de hoje para mim mesma e para quem mais estiver lendo é: mais vale ir em busca de livros e autores que falem ao nosso coração e nos façam sentir uma identificação genuína. Façamos isso pelo bem da nossa saúde mental e da literária.
Algumas obras realmente precisam do nosso amadurecimento, pensando um pouco no inverso eu evito algumas releituras, sei que já não olharia mais para algumas histórias como da primeira vez e quero guardar a sensação de carinho que tenho por elas.
ResponderExcluirVerdade. Isso também acontece.
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