#22 "Alameda Santos", de Ivana A. Leite e "Uma mulher sem ambição", de Sabina Anzuategui
Duas leituras que fiz no mês passado têm vários pontos em comum e por isso hoje decidi juntá-las aqui.
Em “Uma mulher sem ambição”, conhecemos Mercedes. Ela tem trinta e tantos anos e já foi a típica mulher bem-sucedida de classe média alta, porém isso foi pelo ralo quando se divorciou. Graduada em cinema e ex-roteirista de TV, ela nunca se dedicou de fato à carreira. Atualmente, dá algumas aulas em uma escola de cinema. Sem paixão ou sequer empenho, concentrada apenas em pagar as contas, ela tem pouco interesse pelo trabalho ou mesmo pela vida e quase nenhuma perspectiva para o futuro. Por trabalhar poucas horas por semana, Mercedes possui tempo livre de sobra e o gasta assistindo filmes em centros culturais e discutindo-os com outros cinéfilos em botecos de São Paulo. A protagonista conta seu cotidiano em diário e é assim que acompanhamos (com curiosidade, no meu caso) seu desânimo com o trabalho formal apesar do orçamento apertado, seus encontros casuais e, acima de tudo, o tédio sempre presente em seus dias.
A escrita de Sabina Anzuategui é viciante. Quando pesquisei sobre a autora, não me surpreendeu o fato de ela ser roteirista cinematográfica. O dinamismo e a precisão de sua linguagem fazem com que a trajetória de Mercedes pareça um filme.
A história de “Alameda Santos”, como o título indica, também se passa em São Paulo. Dessa vez, porém, lemos (ou, no meu caso, ouvimos) uma história que acontece de 1984 até 1992. O período repleto de acontecimentos no Brasil e no mundo é explorado no livro, onde há menção à onda de mortes por HIV, ao movimento “Diretas Já” e à queda do Muro de Berlim. Também estão presentes novelas da TV que fizeram sucesso, notícias políticas e aspectos culturais como a Renovação Carismática Católica e o movimento New Age. Tudo isso é narrado da perspectiva de outra balzaquiana (porra louca, no melhor sentido desse termo) sem nome. A cada dezembro, ela relata em fitas cassete os acontecimentos importantes da própria vida no ano que termina.
Tanto Ivana Arruda Leite quanto Sabina Anzuategui tratam de liberdade financeira e sexual e as consequências de suas escolhas nas relações afetivas e familiares, ou seja, temas caros às mulheres. É interessante notar as semelhanças das expectativas sociais, representadas pelos parentes das narradoras, mesmo com o hiato de décadas entre os eventos de “Alameda Santos” e “Uma mulher sem ambição”.
O audiolivro “Alameda Santos” foi narrado por Sandra Silvério, uma especialista nesse tipo de conteúdo que eu ainda não conhecia. Gostei muito da voz dela, algo imprescindível para aproveitar uma narrativa nesse formato.
Considero interessantes (e preocupantes, do ponto de vista do feminismo) os paralelos entre as duas histórias. Mesmo com as diferenças temporais das narrativas (e de publicação delas, respectivamente 2021 e 2000) tanto “Uma mulher sem ambição” quanto “Alameda Santos” foram escritos em formato de diário e ambos são protagonizados por mulheres de trinta e tantos anos com comportamento considerado “pouco ortodoxo” para os padrões sociais vigentes. As duas são divorciadas e ambas exercem e falam de sua sexualidade livremente em seus relatos. Tanto Mercedes quanto a narradora das fitas sentem dificuldade em se identificar com empregos tradicionais, ambas passam por dificuldades financeiras e recebem ajuda de suas famílias. São mulheres brancas de classe média que vivem na cidade de São Paulo.
Descobrir que “Alameda Santos” tem traços autobiográficos fez com que eu me questionasse sobre essa possibilidade existir, em certa medida, no romance de Sabina, pelo fato de ela e sua protagonista serem cineastas. Achismo meu, para o qual eu não encontrei evidências. Ambas as leituras provocaram reflexões, são divertidas e me deixaram curiosa para conhecer mais trabalhos das autoras.
O livro digital de “Uma mulher sem ambição” pode ser encontrado para empréstimo na BibliON.
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