#31 Luminol, de Carla Piazzi

 

(Editora Incompleta, Capa: Angela Mendes e Lara Del Rey)


Eu não sei, caro leitor, até que ponto o místico faz parte da sua crença, mas preciso dizer que ao bater os olhos em “Luminol”, eu senti que amaria a leitura. O título conciso e intrigante (CSI: Vegas feelings), unido às imagens imprecisas da capa foram o suficiente para despertar meu interesse. Depois, li o primeiro parágrafo do texto na contracapa e pronto, já precisava ler mais.

Dividido em três partes, cada uma com uma narradora diferente, a história começa a ser contada pela escritora e tradutora Maya. De mudança para uma chácara na montanha, com ela chegam caminhões trazendo itens não apenas seus, mas também das mulheres de sua vida: A bisavó, Minda, e a avó, Gera,  que a criaram e a mãe, Clara, morta quando Maya era criança. Em meio à escrita de um livro, objetos e lembranças das narrativas das avós, ela tenta montar um retrato da mãe que mal conheceu. Esta se faz presente de alguma maneira agora que Maya precisa conviver com a mudança física e emocional pelas quais passa.

Entre os itens da família, está o diário de Clara. Com a ajuda de Laura, sua editora, Maya vai ler sobre os últimos anos de vida da mãe. De vez em quando, as duas mulheres recebem a visita de Julia e da filha desta, “Quindim”, a narradora da terceira parte da história.

As reflexões e experiências das narradoras, costuradas a seus interesses e afetos forma uma colcha de retalhos envolvente, embora por vezes sufocante e desconfortável.

As memórias e os “causos” da bisa e da avó me trouxeram memórias da minha avó materna. A relação de todas as mulheres do livro com a natureza, idem (A natureza, aliás, permeia toda a narrativa de “Luminol” e fornece a Carla Piazzi metáforas vívidas e belíssimas). Minha avó era uma maga dos chás e remédios caseiros em geral e uma amante do contato com a terra. Outro fator comum a nossas avós: as histórias de assombrações e os contos morais que narravam e com que despertavam espanto e imaginação.

Devorei o início do livro, período de adaptação de Maya ao convívio com o novo ambiente, as tranqueiras ainda sem lugar certo na casa e consigo própria. No relato de Clara, senti que a meticulosidade com que ela lidava com móveis antigos impôs a mim a mesma paciência requerida em seu ofício de restauradora. Lá, eu relia muitos trechos. Na última parte, a de Quindim, o ritmo acelerou novamente, pois a protagonista mais jovem tem uma narrativa mais objetiva.

Ao terminar, e ajudada pelo posfácio de Lucas Verzola, ficou mais claro para mim o uso constante que a autora faz de metalinguagem. Juntando isso às referências obscuras e fascinantes, como os escritos de Saint-Denys, bestiários e hagiografias, experiências numa comunidade à la Sociedade Alternativa e gravuras antigas lindas (e, por vezes, assustadoras), “Luminol” é um caleidoscópio de vivências femininas. É ainda uma cornucópia de símbolos (Seria então uma “caleidocópia” / um “cornucópio”?).

Recomendo para apreciadores de narrativas intimistas.

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