#30 O castelo no ar, de Diana Wynne Jones

 

(Capa e ilustrações: Isadora Zeferino, Tradução de Raquel Zampil)


Com uma ambientação médio-oriental, tapete voador, gênio da lâmpada e djins, esse segundo livro da trilogia iniciada com “O castelo animado” consegue ser mais divertido que o anterior.

Abdullah vende tapetes no mercado de Zanzib e passa as horas vagas sonhando acordado com riquezas e mundos fantásticos. Quando adquire o tapete mágico de um homem misterioso, Abdullah voa até o universo que tanto imaginava. Lá, ele conhece a princesa Flor da Noite e transforma seus dias. 

Flor da Noite, aliás, é uma das pessoas mais interessantes aqui. Perspicaz e determinada, ela é a perfeita mocinha pela qual dá gosto torcer. Embora apareça pouco na jornada de Abdullah, é ela quem dá impulso a ele e toda a narrativa. Ela exerce, ainda, papel fundamental na solução dos problemas no fim da história.

Diana Wynne Jones é mestre na construção de personagens. Gateira que sou, adorei Meia-Noite e seu filhote, Atrevido, mas cada pessoa, ser fantástico, animal ou objeto que aparece, é fundamental no enredo. Até mesmo o tapete tem personalidade própria e ajuda o heroi em mais do que transportá-lo para onde for necessário. E a autora não deixa pontas soltas no final, mostrando que a narrativa é muito bem arquitetada.

Um ponto negativo foi o tratamento dado a duas personagens gordas. A leitura sensível feita por Wlange Keindé, porém, incluiu, no capítulo quatro, uma nota explicativa. O livro foi escrito em 1990, quando a gordofobia não era um tópico amplamente discutido, então a nota explica que a opinião da autora não corresponde à da editora. Eu já tinha ouvido falar em leitura sensível e acompanhado discussões a respeito de reescrever trechos de obras hoje considerados preconceituosos, mas creio que em “O castelo no ar” foi a primeira vez que vi em prática a solução da nota. Considero essa uma boa maneira de sinalizar quando editores e outros envolvidos no processo de publicação não compactuam com visões preconceituosas. Outra vantagem é a de respeitar o conteúdo original das obras.

À parte esse “deslize”, a qualidade da escrita de Diana é exemplar. Além da já mencionada criação de personagens, a narrativa é fluida e facilita a entrada do leitor no mundo em que se passa. Isso, porém, não quer dizer que Diana é simplista, pelo contrário ‒ o universo da trilogia é complexo, repleto de detalhes e particularidades. O ritmo dos acontecimentos é, a meu ver, ideal. Em cada capítulo, uma parte da trama é descortinada e parcialmente resolvida, enquanto que o conflito maior só é resolvido no último. Tudo é calculado e dosado com precisão. O resultado é uma história dinâmica, sem excesso nem falta de eventos.

Por todas essas qualidades narrativas, a meu ver, Wynne Jones deveria ser tão reconhecida quanto Tolkien. Os personagens de Diana são menos numerosos que os do autor inglês (e nada chatos, ao contrário da metade dos dele), é verdade. Mas excetuando-se isso, a única explicação que consigo encontrar para ele ser mais reverenciado que ela é algo que chamo de “minha teoria da conspiração favorita”: o fato dele ser homem. Prontofalei (Essa minha teoria inclui outra dupla de autores muito mais célebres: Agatha Christie e Arthur Conan Doyle. Você já viu alguma edição da Agatha com o título “Dame” antes do nome dela? Por que algumas do Conan Doyle acompanham “Sir”? I rest my case, ladies and gentlemen).

“O castelo no ar” não é propriamente uma continuação de “O castelo animado” e, portanto, pode ser aproveitado como leitura única. Mas o final da aventura de Abdullah e Flor da Noite tem a participação de alguns personagens do livro anterior que torna-se ainda mais saborosa para quem o leu também. Eu, pessoalmente, achei genial a maneira como a autora criou, ao mesmo tempo, dois enredos independentes e complementares. 

E pensar que eu estava reticente em ler “O castelo no ar”. Presumi que pelo fato do livro anterior ser incrível, esse seria inferior. Fico muito feliz por ter me equivocado. Claro que agora a expectativa pela última parcela da série está lá no alto, mas espero que minha estratégia de dar tempo ao tempo, até eu sentir falta desse universo, dê conta de me apaziguar.

“O castelo no ar” está disponível para empréstimo na BibliON.

Agora, fica a pergunta: cadê a adaptação para o cinema deste livro e do terceiro?


Minha citação favorita: “... o Destino não se importa com o que acontece na maior parte das vezes. E o gênio não está do lado de ninguém, não mais que o Destino”.


Recomendo para fãs de fantasia e aventura de todas as idades (todas mesmo! Se tem crianças em casa, leia com elas). E para quem quer sair de uma ressaca literária.

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