#32 Por que AutorAs?

 

Imagem: themuse.com

“Parabéns pela promoção no trabalho que você já faz.”


No início do mês, eu comentei que considero a escrita de mulheres diferente da de homens. Hoje vim contar o porquê dessa opinião. E, claro, aproveitar a oportunidade de dar uma surra de indicações.

Autoras falam do doméstico e do cotidiano do ponto de vista de quem cuidava desse âmbito, ainda cuida, cuidará ou é permanentemente criticada por não cuidar. Esse ponto de vista costuma ser negligenciado na escrita realizada por homens pelo fato deles, historicamente, não realizarem as mesmas atividades que as mulheres.

Neste momento, pode ter algum leitor defendendo que “A odisseia” ou “Moby Dick” contam histórias mais relevantes que quaisquer livros que tratam do cotidiano. Antes de opinar, seria ideal ler algumas histórias do último tipo, mas podemos começar a discussão com uma pergunta: já parou para pensar em quem cuidou / cuida da sua casa e dos seus filhos? Se não foi / é você, há grandes chances de que tenha uma funcionária / amiga / parente que faz as tarefas domésticas e é ou não remunerada. Independente de quem realiza esse tipo de serviço na sua casa, ele é essencial no bom funcionamento da rotina familiar e do trabalho remunerado que você exerce.

Silvia Federici

Foto: Maria Isabel Oliveira, O Globo


A filósofa, professora e ativista italiana Silvia Federici escreve sobre a importância do trabalho doméstico e os mecanismos pelos quais a subvalorização dele é utilizada como arma política contra as mulheres. Além disso, a autora de “Calibã e a bruxa” atua em prol da remuneração de donas de casa.

Virginia Woolf, outra escritora que amo, tratou desse tópico de maneira mais literária no ensaio “Um teto todo seu”. Lá, como ponto de partida de sua argumentação, ela pergunta o seguinte: se Shakespeare tivesse tido uma irmã que também escrevesse, como a carreira dela se desenvolveria? (Spoiler: não se desenvolveria.)


Imagem: medium.com


Recentemente li “A filha primitiva”. O romance, curto e grosso, no melhor sentido da expressão, narra algumas situações no cotidiano de três gerações de uma família comumente encontrada no Brasil: aquela chefiada por uma mulher solteira. A escrita potente da cearense Vanessa Passos me impactou. Ela reflete sobre tabus relacionados à maternidade e por isso pode não agradar a todos. Justamente pelo potencial para fomentar debates, seu livro é pertinente e deve ser lido. 

Vanessa Passos, site da autora


As mulheres, entretanto, não “se limitam a falar de coisas pequenas”.

No monumental “Um defeito de cor” (inspiração para o desfile deste ano da Portela), Ana Maria Gonçalves conta décadas de história do Brasil partindo das experiências de vida de Kehinde. A personagem foi inspirada por Luísa Mahin, participante da Revolta dos Malês e mãe de Luiz Gama (vivido por César Mello no filme de Jeferson De).

Ao compor o romance, Ana Maria pesquisou registros e relatos das relações sociais no Brasil e na África no século XIX. Como essa documentação é escassa no que diz respeito às populações negras, a autora preenche as lacunas com a imaginação e toques de realismo mágico para narrar as perspectivas de diversos povos escravizados na época. A obra pode ser considerada uma odisseia moderna, pois tem guerras e outros aspectos políticos, filosofia e história. Tudo isso narrado sob a ótica do cotidiano e por meio de personagens femininas e masculinas que atuam dentro do enredo, sem uma hierarquização dos gêneros. Leitura imperdível.


Ana Maria Gonçalves

Foto: Leo Pinheiro, Revista Cult


Em resumo, a maior diferença dos escritos de mulheres é o fato de darem protagonismo a elas, ao mesmo tempo que não menosprezam outros gêneros. Via de regra, as obras de autoras passam com louvor no Teste de Bechdel, trazem uma visão de mundo diferente da mostrada pelas classes dominantes mas são, infelizmente, menos valorizadas e lidas do que as dos homens.

Vamos testar se o que acabo de dizer tem fundamento. Responda rápido: Quantas autoras vivas você conhece pelo menos de ouvir falar? Quantas delas você de fato leu? De suas últimas leituras, quantos livros foram escritos por mulheres? Se, como muitos leitores, você lê mais homens, já se perguntou por que? 

Um caminho para conhecer autoras contemporâneas é ler crônicas, em geral, disponíveis em newsletters. Além das que mencionei no primeiro post a respeito desse assunto, recomendo: Aline Valek, Vanessa Guedes, Deborah Fortuna, Fal Azevedo, Dani Falcão e Ana Rüsche.

Essas autoras são as que escrevem ficção e ensaios, gêneros que eu costumo ler, mas tenho certeza de que há diversas outras que valem a pena ser lidas e que produzem obras de divulgação científica, história, política ou qualquer outro assunto pelo qual você se interesse. Basta procurar um pouco além do que o mainstream destaca e que reforça a ideia enganosa de que mulheres não escrevem ou não escrevem bem.

E então, qual é a próxima autora que você quer ler?

    Se quiser compartilhar suas respostas a essa e às outras perguntas deste post, eu adoraria saber e continuar esse papo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

#35 Contos indígenas brasileiros, de Daniel Munduruku

#21 A última casa da Rua Needless, de Catriona Ward

#1 Por quem os sinos dobram, de Ernest Hemingway