#36 Quem tem medo dos clássicos? + Cinco dicas rápidas

 

Imagem: Pinterest


Uma das minhas leituras atuais é “Dom Quixote” ou, com nome e sobrenome, “O engenhoso fidalgo Dom Quixote de La Mancha”. Sei lá por que “os antigos” gostavam de títulos tão ou mais longos do que esse, mas é o da edição que estou lendo).

Os clássicos são incontornáveis na bagagem de qualquer leitor assíduo e eu, que desviava do engenhoso fidalgo há anos, decidi que este era o momento de encará-lo. Aí aconteceu algo comum nesses casos: descobri que a leitura não é difícil nem tão arrastada quanto eu temia. 

Um dos pontos nos clássicos que costuma repelir leitores é a linguagem, às vezes rebuscada. No caso de “Dom Quixote”, publicado em 1605, a forma como Cervantes se expressa é, obviamente, bem diferente da usada hoje, mas existem as notas de rodapé para ajudar com a compreensão (e com a contextualização histórica). Além disso, como explica essa estudiosa da obra de Cervantes, a história do cavaleiro da triste figura é interessante para pessoas de todas as idades, o que só é possível quando o texto é de fácil entendimento.  Para os leitores que acham que as notas atrapalham a fluidez da leitura, há a tradução da Penguin, com linguagem simplificada e textos de apoio.

O medo do tédio é outro pré-conceito que a simples ideia de ler um clássico pode despertar. Quando pensar em iniciar um clássico e um lado seu disser “essa narrativa antiga provavelmente é chata e por isso não faz sentido lê-la”, lembre-se que autores best seller como Charles Dickens e Machado de Assis foram mestres na publicação de romances em formato seriado, com um capítulo por semana. Uma parte crucial desse tipo de narrativa era manter o interesse dos leitores para que continuassem adquirindo os jornais em que as histórias eram publicadas. Para isso, autores utilizavam o recurso que mais tarde ficou conhecido como cliffhanger e que é usado até hoje em novelas e séries de TV. Ou seja, escritores antigos sabiam muito bem como criar e manter o interesse do público. 

O jornalista e escritor Ítalo Calvino tem tantos argumentos para advogar em prol da leitura dos clássicos que escreveu um livro sobre o tema. Logo no início, ele afirma (aqui, resumo muitíssimo a explanação dele) que um clássico é um livro que, de tão consagrado, faz parte do inconsciente coletivo e por isso nos dá a impressão de ser conhecido mesmo antes de o lermos. Quando de fato o lemos, porém, descobrimos um livro muito diferente do que imaginávamos antes.

O que Calvino afirma foi exatamente o que aconteceu quando li “Laranja mecânica” e “Frankenstein”, para citar só dois exemplos. Mesmo depois de assistir adaptações cinematográficas das duas obras e acreditar saber muito sobre a essência delas, fui surpreendida por temas e nuances diferentes ao ler os dois romances.

Mesmo sabendo dessas informações e tendo Jane Austen e as irmãs Brontë como duas de minhas autoras preferidas, eu sinto um medinho antes de iniciar um clássico (“Os miseráveis”, “Moby Dick” e “Guerra e paz” são alguns que ainda não tentei por simples paúra).

 O tamanho dos livros é um fator aterrorizante para mim nesses três exemplos. Mas, além de estar lendo o calhamaço “Dom Quixote”, recentemente terminei as quase mil páginas de “Um defeito de cor” e quase não senti. “Jane Eyre”, um de meus favoritos da vida, tem, em algumas edições, mais de 500 páginas.  Então, minha conclusão é que, apesar do temor aos clássicos ser comum até a leitores frequentes como eu, ele não tem suporte em nenhum argumento racional. Como o heroi de Cervantes diz na citação que abre este post, o medo atrapalha os sentidos. Para ver além, ele pode e deve ser combatido. 

Então aqui estão alguns livros clássicos difíceis de largar e que, portanto, recomendo para quem quiser começar a encarar seus medos: 

  • “O  morro dos ventos uivantes”, de Emily Brontë (1847): Nem só de histórias românticas com final feliz vive a literatura escrita por mulheres no século XIX e esse livro é a melhor prova. Uma trama cheia de personagens odiosos, injustiças e preconceitos e todo o rancor que eles podem causar. Se você acha que clássicos são sempre histórias “água com açucar”, vai mudar de opinião com “O  morro dos ventos uivantes”.

  • “Anna Kariênina”, de Liev Tolstói (1878): Esse livro tem personagens cativantes e inesquecíveis. A trama à la “casos de família”,  vai agradar os fãs de telenovelas. Os aspectos culturais, mostrados no núcleo rural e no urbano, são uma janela para a Rússia do período em que o romance foi escrito. Tolstói era um grande contador de histórias, portanto acho improvável começar a ler esse livro e não gostar dele.

  • “O cortiço”, de Aluísio Azevedo (1890): Outro exímio escritor, Aluísio Azevedo criou muitos romances ótimos mas, não por acaso, essa é sua obra-prima. “O cortiço” tem tiro, confusão, gritaria e muita crítica social que, infelizmente, se aplica ao Brasil atual tanto quanto ao do século XIX.

  • “O grande Gatsby”, de F. Scott Fitzgerald (1925): Recém vindo para sua atual casa, Nick Carraway, o narrador, observa de longe as festanças de seu vizinho Jay Gatsby. Quando Nick finalmente é convidado e pode conhecer o anfitrião, o fascínio por ele só aumenta. A escalada dos acontecimentos culmina num plot twist que ainda me marca mais de vinte anos após a primeira leitura que fiz desse grande pequeno livro (menos de 200 páginas na edição que li). 

  • “1984”, de George Orwell (1949): “1984” deixou de ser distopia quando passamos a conviver com dispositivos eletrônicos 24 horas por dia, tanto dentro quanto fora de casa. Mesmo assim, a vigilância a que nos submetemos de boa vontade ainda não chegou a todas as consequências mostradas no livro, por isso ele é, apesar de perturbador (ou justamente por esse motivo), um bom alerta e uma leitura fascinante.

Lembrando que os clássicos mencionados aqui estão em domínio público, portanto podem facilmente ser encontrados em diversas edições e até gratuitamente, em formato digital.


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