#49 Onde vivem os monstros, de Maurice Sendak, e a adaptação de Spike Jonze

(Direção: Spike Jonze. Roteiro: Spike Jonze e Dave Eggers)

Caso a visualização esteja estranha, acesse em sorayaviana.substack.com

Max: Carol, sabia que o sol vai morrer?

Carol: Eu nunca ouvi falar disso. (…) Você é o rei. E olhe para mim, eu sou grande. Como caras que nem a gente podem se preocupar com uma coisa minúscula como o sol?

(Tradução minha)


Em 2010, “Onde vivem os monstros” me impactou. A lembrança que guardei do filme desde então é quase tão querida quanto a que tenho de “A história sem fim”, assistido por mim inúmeras vezes quando criança e causa de litros de lágrimas quando o revi já adulta (embora os efeitos especiais dos anos 80, obviamente, não tenham envelhecido bem). Ambos os trabalhos usam a fantasia para falar de temas psicológicos profundos.


(Tradução: Heloisa Jahn)


Na adaptação de “Onde vivem os monstros” por Spike Jonze, me apeguei tanto à aventura do garoto Max e suas criaturas que fiz questão de comprar a obra original, o livro clássico de Maurice Sendak. O li na mesma época mas, nos anos seguintes, só a lembrança da película permaneceu.

Meses atrás, quando vi o filme de Jonze no streaming, senti vontade de reassistí-lo, mas também tive medo de reencontrar antigos sentimentos. Eu previa que revisitar a obra traria alguns novos e talvez ainda mais assustadores, por isso enrolei. No final de semana passado, num momento de introspecção acima da minha média, decidi encarar. O resultado foi me maravilhar de uma nova maneira com a jornada.

Max tem por volta de nove anos, e, como esperado de alguém dessa faixa etária, é cheio de energia. Em uma noite, após ser castigado por travessuras e por desafiar a autoridade da mãe, ele foge de casa e vai parar numa terra distante, onde conhece os monstros do título. 

A sinopse acima é a do filme. O livro de 40 páginas, por ser direcionado ao público infantil, é bem mais simples e para mim foi um pretexto para vir indicar o filme. Após reassistir, reli o livro também e fiquei impressionada com o trabalho de Jonze. O diretor e co-roteirista (com Dave Eggers) não só cria detalhes sem os quais a narrativa fílmica não faria sentido, mas  aprofunda questões que Sendak (compreensivelmente, já que escrevia para crianças) apenas insinuou. O próprio autor declarou numa entrevista que o filme cria algo novo sem tirar nenhum aspecto fundamental do livro, enriquecendo-o e tornando-o ainda melhor.

No “mundo dos monstros”, em dado momento, Max assume o papel de espectador de comportamentos “monstruosos” que ele próprio tem e presencia o sofrimento causado por determinados monstros a si próprios e aos outros. Acompanhar a trajetória do garoto é vivenciar algo psicanaliticamente genial e esteticamente lindo.

Ao contrário do que aconteceu com “A história sem fim”, o visual de “Onde vivem os monstros”, aliás, continua impactante. Para quem se interessar, Jonze comentou a produção aqui.

Os monstros que Max encontra vivem dentro dele e de cada um de nós, mas é necessário coexistir com as criaturas, pois elas sempre estarão lá. Creio que a mensagem da obra cinematográfica é que essa coexistência torna-se possível quando aprendemos a dosar a “alimentação” de nosso ego e a criar novas perspectivas, como na “cena do sol” que abriu este texto. Terapia e arte estão aí para nos ajudar na tarefa nada fácil, não importa a nossa idade.

Esse é um raro caso em que o filme é melhor do que o livro, pelo menos do ponto de vista adulto. Mas acredito que o contato com ambas as obras ‒ ler o livro para crianças pequenas (ele é sugerido para idades entre três e oito anos) e assistir o filme com crianças mais velhas ‒ seja um bom ponto de partida para conversas sobre como lidar com sentimentos difíceis, aprender a canalizar impulsos violentos e a conviver melhor conosco e com quem (n)os cerca.


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