#46 Sobre ler rápido ou devagar (e, como resultado, "muito" ou "pouco")

(Imagem: vecteezy.com)


O mundo atual pede que a gente se mova num ritmo vertiginoso, afinal tudo é “para ontem”. Nossa atenção quase sempre está dividida, tentando dar conta das demandas infinitas, sejam internas ou externas. Nesse cenário, como ficam as leituras?

Desde pequena, até antes de ser alfabetizada (quando minha mãe lia gibis da Turma da Mônica em voz alta), a leitura sempre cumpriu na minha vida um papel de entretenimento e informativo ‒ curiosa, eu adorava ler até enciclopédias quando fazia trabalhos escolares. 

Durante a graduação em Letras, eu precisava ler conteúdo do curso, claro. Felizmente eu gostava da maioria dos assuntos mas, mesmo assim, achava cansativo só ler o que me mandavam, então esse foi o período da vida em que menos li apenas por prazer. De qualquer forma, eu encaixava leituras de lazer sempre que possível pois considero insuportável viver sem contato com boas histórias. Naquele período, com a escassez de tempo que limitava a quantidade de leituras fora do meu currículo, selecionei e li mestres como Lygia Fagundes Telles, Lewis Carroll, Oscar Wilde, Charles Dickens e Stephenie Meyer (hehehe).

A partir de 2015, comecei a acompanhar o booktube, onde muitos influenciadores têm o hábito de publicar suas metas de leitura para o ano, o mês ou outro período qualquer e detalhar as estatísticas dos lidos naquele período. Isso, associado a toda a publicidade que eles próprios fazem de obras literárias, acaba gerando uma ansiedade no público para ler mais, de preferência num período de tempo menor. 

Então consumir conteúdo sobre livros acabou sendo uma faca de dois gumes para mim. Por um lado, eu entrei em contato com inúmeros autores que até então desconhecia e me tornei criteriosa com relação ao tipo de narrativas que consumo. Também passei a ler mais literatura brasileira e de países não anglófonos. Por outro, passei a fazer listas de leitura, participar de desafios e criar metas. 

Esses “objetivos de leitura” sempre funcionaram para mim por eu ser, além de devoradora de livros, uma pessoa organizada, disciplinada e que, na maior parte do tempo trabalhei em horários flexíveis. Nos últimos tempos, porém, tenho questionado meus hábitos de leitura pós-Internet e lido de forma errática. A reflexão me possibilitou ver que cada livro “pede” um ritmo. 

Por exemplo, atualmente estou lendo o romance “A época da inocência”, de Edith Wharton. Apesar de ter capítulos curtos e uma trama que prende, ele é escrito num estilo um tanto rebuscado e exige concentração ao ser lido. Por isso, é uma história que leio nos momentos em que posso me concentrar por longos períodos, geralmente antes de dormir. Como há muitos personagens, todas as noites eu leio pelo menos um capítulo e assim não me perco em quem é quem.

Há algumas semanas vinha lendo também “As coisas que perdemos no fogo”, de Mariana Enríquez. Embora haja apenas 12 contos no livro, eles tratam de temas pesados, então senti a necessidade de digerir cada um antes de iniciar o seguinte. Lia um ou dois contos por semana e não tive a menor pressa de acabar o livro, isso aconteceu naturalmente ontem.

Dois livros de ficção, dois universos diferentes, duas maneiras de encará-los. 

Outro ponto de virada em como leio: Eu já fui o tipo de leitora que não deixava um livro pela metade por mais sofrimento, tédio ou desconexão que a leitura me proporcionasse. Senti vontade de mudar porque percebi que a vida é curta para eu fazer coisas “por obrigação” até nos momentos de lazer. Aqui eu conto mais sobre como essa perspectiva também me ajudou a viver minhas leituras de forma leve.

Meu atual diálogo interior a respeito de velocidade de leitura é: Permita-se gostar de um livro ou não, terminar de lê-lo ou não, deixar-se conduzir pelo ritmo da narrativa e casá-lo com os espaços na sua agenda, por menores que sejam. Quem dá vida aos livros é o leitor, e eles só têm relevância (mesmo que o foco seja o entretenimento) se de fato ressoarem dentro de mim. 

Espero que minhas observações sirvam para você que sente que lê “muito devagar” ou “pouco”. Como lembra Aline Valek neste texto, vamos todos morrer sem ter lido tudo o que gostaríamos, portanto fazer as pazes com esse fato é um descanso para mentes já sobrecarregadas.

E para quem me pergunta como leio vários livros ao mesmo tempo ou como consigo ler tanto, eis aí uma parte de resposta. Aqui tem outras informações sobre o assunto.

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