# 65 Autoajuda e o ranço que ela provoca

 

(Foto: gerarmemes.com.br)


Antes de começar, um aviso: Se você ainda não segue o Vivo entre Livros no Substack, por favorzinho faça isso. É que o tempo anda curto para atualizar duas plataformas. Por isso a partir de hoje, deixo este cantinho aqui. Os post antigos permanecerão no Blogger, mas para acompanhar novos textos, peço que migre para lá, caro (a) leitor (a). Obrigada pela companhia!


Embora meu gosto mude ao longo dos anos, um dos meus preconceitos literários permanece, ainda que menos intenso: o ranço de livros de autoajuda.

Pelo que sei dos hábitos alheios, quando o assunto é esse gênero, os leitores dividem-se entre os que  amam (e, em alguns casos, não leem nada fora do assunto) e os que abominam o tema do autoaperfeiçoamento. Por muito tempo eu me identifiquei com o segundo grupo. Até que, seguindo os passos da Rita…



Decidi ler os títulos que chamavam minha atenção, mesmo que uma voz esnobe na minha cabeça dissesse que assim eu descia do pedestal da Alta Literatura (dá licença para a arrogância passar) para a prateleira de autoajuda. 

A partir daí, pasmem, autoajuda me ajudou algumas vezes. 


 

(A capa lembra as dos detestáveis livros do Augusto Cury, mas o de Harris eu curti)


Além de contar como a rotina de jornalista bem-sucedido contribuiu para levá-lo à dependência química, Dan Harris fala sobre a influência da meditação no processo de cura física e psicológica e na manutenção do seu bem-estar.

Praxe dos livros de jornalistas, “10% mais feliz” é bem escrito e gostoso de ler.


(A minha edição é tão antiga que os áudios vieram num CD) 

Comprei “Aprendendo a silenciar a mente” há muito tempo, na minha era mística, quando eu cria em várias outras coisas, mas achava a meditação impossível. 

No livro, Osho declara que meditar consiste em focar a atenção completamente em algo. Essa afirmação simples e verdadeira foi a primeira a me fazer acreditar que meditação poderia ser para mim também, apesar de eu não ser uma pessoa “iluminada”. 

Depois de assistir “Wild wild country” (série documental ótima sobre a comunidade espiritualista comandada por Osho no Oregon em 1981), sei que os “poderes” do autor eram a persuasão e o talento empresarial. Porém, a gotinha de informação útil que um de seus livros me transmitiu ficou comigo até hoje. 

Uns quinze anos a mais de experiência de vida e uma pandemia depois, hoje sei que a única habilidade transcendental requerida para meditar é a da prática. 

Quero reler e descobrir se o livro resistiu ao teste do tempo. 




(outro que pretendo reler)

Anos atrás, uma amiga indicou esse livro e confirmou a impressão que eu tive na primeira vez que o vi: seria uma boa leitura. Sabe quando você encontra alguém pela primeira vez e vai com a cara da pessoa de graça? Foi o que aconteceu entre “Ikigai” e eu. Só demorei a lê-lo por causa do pré-conceito besta mesmo.

Esse foi um dos livros que mais recomendei e dei de presente na vida. Basta eu ter um papo com alguém que gosta de ler e se interessa por filosofias orientais que já penso em comprar um novo exemplar para meu interlocutor.

A filosofia do Ikigai basicamente diz que é preciso encontrar um propósito de vida. O motivo do meu apreço por ela é que o tal propósito pode ser algo grandioso como fazer o bem aonde for ou simplesmente “tomar uma xícara de café” (o autor realmente usa esse exemplo no livro). Longe de exigir “10 passos para que você se torne totalmente diferente do que é”, a filosofia explicada por Ken Mogi é na verdade um antídoto contra a ansiedade em relação a métricas de sucesso, marcadores sociais e outros males que nos afligem. Grande ajuda, não acha?

É fácil encontrar por aí vídeos curtos com detalhes dos princípios do Ikigai, caso tenha se interessado.

As minhas “metas de vida” são mutáveis. Às vezes meu propósito é alcançar o objetivo pessoal ou profissional do momento. Em outras, é só dormir bem e acordar disposta. 

Desde que fiz essa leitura, sempre que estou cabisbaixa, me pergunto qual o meu ikigai. Em diversas ocasiões, refletir sobre qual tem sido e ajustá-lo quando se necessário ajudou a melhorar a acuidade do meu olhar interior e para o mundo e, assim, a minha qualidade de vida. 


(Tem uma edição recente linda desse livro. A  que li foi a clássica, da foto)

Outro livro que vivo panfletando, “Mulheres que correm com os lobos” foi a primeira obra de autoajuda que considero um divisor de águas para mim.

Após anos de interesse, eu o li por influência do canal "Livros que li", onde Rita Araújo promoveu uma leitura conjunta. 

No livro, a psicanalista Clarissa Pinkola Estés faz um estudo dos arquétipos femininos por meio de histórias tradicionais de diversos povos. Conhecer os mitos tratados na obra já vale a leitura. Além disso, a análise aprofundada dos personagens e dos significados psicológicos das narrativas é de uma riqueza ímpar. 

A leitura me trouxe um conhecimento de padrões de comportamento, tanto meus quanto de outras mulheres, que mudou radicalmente a minha relação com o feminino. 

Ao mergulhar no estudo proposto em “Mulheres que correm com os lobos”, descobri o igualmente sensacional podcast Talvez seja isso



(A capa fofa permanece na edição atual e ganhou uma foto do rosto fofo da autora)


Acho engraçada, a história desse livro na minha vida.

Quem acompanha o mercado editorial possivelmente lembra que “A mágica da arrumação” foi uma febre quando lançado, em 2015. A capa chamou a atenção de longe na primeira vez que a vi numa livraria. Achei que fosse um novo chick-lit ou uma fantasia. Mas quando me aproximei e vi que se tratava de autoajuda, ativei meu escudo rançoso e decidi que era uma bobagem. 

Mesmo assim, algo no livro me atraía sempre que eu o via ou ouvia falar dele. Eu, entretanto, ainda resistia à leitura. Por volta de 2017, uma aluna que o leu e gostou me convenceu a dar uma chance. Li o prefácio, achei uma maluquice, desisti e segui falando mal dessa e de outras obras de autoajuda. Nesse caso, achava eu, “com conhecimento de causa”. 

O mundo deu outras voltas e em 2021, por influência de uma amiga, eu andava lendo umas coisas (esquecíveis, por sinal) do gênero e me lembrei da Marie Kondo, sua cara fofa e seu livro de capa idem. Reiniciei a leitura e, olha, pareceu mágica mesmo. 

A nova eu, desta vez, não só viu um sentido profundo no método kondomari como o aplicou na organização de casa e ficou estarrecida com os resultados.

A tal mágica não está em Marie Kondo dizer grandes verdades espirituais ou ensinar técnicas complexas. O método dela, na verdade, é simples: mantenha em casa apenas objetos que trazem alegria a você. 

É ao mesmo tempo descomplicado e radical, e é aí que reside a dificuldade porque, se olharmos com atenção, veremos que a maioria das coisas que acumulamos não tem absolutamente nenhuma utilidade ou sentido na nossa vida. O caminho para criar coragem de se livrar delas é um desafio porque passa por se desfazer de crenças a que insistimos em nos apegar.

O saldo da leitura e da minha nova organização em casa dura até hoje e ainda norteia minhas escolhas de consumo. Me tornei minimalista? Não, afinal sou a louca dos livros, mesmo comprando bem menos do que antes. Sou um ser elevado espiritualmente e mais feliz? Tampouco. Mas na maioria dos dias sinto que consigo me enxergar melhor e valorizar o que de fato importa, não apenas com relação a objetos, mas a atitudes, pessoas e comportamentos. E removi, se não o desejo de ter um milhão de coisas, pelo menos o impulso de comprá-las, o vazio que dá depois e a frustração que sentia quando não podia adquirir algo. 

Mesmo que “A mágica da arrumação” não tivesse mudado meus hábitos, só por me ajudar a resistir menos àquilo que me atrai (como aconteceu com o próprio livro), já teria dado uma lição valiosa.


(Esse nem é autoajuda, mas o título e a capa gritam “fórmula  da felicidade”)


“Talvez você deva conversar com alguém” é outro que envolve um causo engraçado. No meu aniversário de 2022, uma amiga chegou com um livrão embrulhado para presente e meus olhos brilharam. Quando abri o pacote, primeiro senti decepção com o título e, em seguida, pânico para tentar fingir que tinha curtido o presente. Por último, surtei interiormente com os pensamentos frenéticos de quem acaba de receber uma indireta. Minha decisão de parar a terapia era recente e minha consciência pesada disse que eu só podia estar recebendo uma dica de que não tinha sido uma boa ideia. 

No caminho para casa, abri o livro e li 


“O respeitado psiquiatra suíço Carl Jung disse: As pessoas farão qualquer coisa, por mais absurda que seja, para evitar encarar suas próprias almas.

Mas ele também disse:

Aquele que olha para dentro, desperta.


Comecei a amansar e cogitar que talvez eu tivesse interpretado mal o presente. Afinal, simpatizo com a visão de Jung e se tenho carteirinha de algum grupo é o das “pessoas que olham para dentro”. 

Pois bem. Comecei a ler o livro naquela mesma noite e foi uma leitura ótima, com vários momentos de reflexão, risos e emoção. 

A obra traz o relato da psicóloga estadunidense Lori Gottlieb de um período de mudança pessoal que a fez procurar a terapia. Paralelamente, temos os casos de três de seus pacientes, cada um lidando com diferentes tipos de crises. É um livro por vezes pesado, outras engraçado, sobre o que podemos aprender com a vida e com outras pessoas. Acima de tudo, é um livro que prova, que tá todo mundo louco, oba!

Esse livro não pára aqui em casa, está sempre emprestado.


Então, como deu para perceber, sempre me interessei por alguns títulos de autoajuda. E embora eu ainda sinta resistência ao gênero, após ler alguns deles, entendo que, como a minha mãe sempre disse, eu não sou “todo mundo”. Portanto, aquilo que funciona para muita gente pode não ter o mesmo efeito em mim e vice versa. Mas sem dúvida evoluí ao flexibilizar meu modo de pensar e isso me fez enxergar valor em livros desse gênero. 

Deixar o preconceito de lado e dar uma chance a essas obras me ajudou, além das maneiras já citadas, a expandir a consciência do que gosto e do que faz sentido para mim nessa literatura e na vida de modo geral. (Afinal, essa separação entre “vida real” e “vida literária” é complexa e, acredito, merece um papo em outro momento.)  

 Na minha opinião, o fato de editoras lançarem obras de autoajuda com  títulos e capas praticamente intercambiáveis é uma estratégia de mercado que dificulta a vida do leitor sem predileção pelo gênero. Se a capa e o título de tantos livros são parecidos, como diferenciar o que pode ser útil para mim e o que é descartável? Uma dica é baixar amostras grátis do que interessar e só investir dinheiro e tempo na obra se vir potencial.



Por fim, hoje em dia penso que adultos precisam de toda a ajuda possível. Alguns métodos de autoaperfeiçoamento podem ser bem-vindos desde que a gente aprenda a separar o que funciona para nós ou não, o que é receita pronta milagrosa e o que é ideia válida a ser testada e, quem sabe, aprovada.












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