#63 Desafio RaSol
(Pinterest me representando)
Muito antes de comentar minhas leituras aqui, apenas uma pessoa acompanhava de perto as manias literárias desta que vos escreve: minha amiga Raíza. Provavelmente exausta de ser a principal ouvinte das minhas considerações bibliofílicas, ela foi a maior incentivadora na criação do Vivo entre Livros.
A Ra é a única das minhas amigas que lê tanto quanto eu, a que tem um gosto literário parecido e a mais aberta às minhas sugestões de leitura. Tendo tudo isso em mente e acompanhando o BookTube no longínquo ano de 2017, fizemos o Desafio Livrada!, do canal do Yuri Al’Hanati por dois anos consecutivos.
A partir de 2019, por sugestão dela, criamos nosso próprio desafio, o RaSol®. Nele, cada uma cria seis categorias e nós as preenchemos com títulos que podem coincidir ou não.
Em 2019, por exemplo, uma das categorias era “Um livro com o nome de cabeça para baixo na lombada”. Eu li A insustentável leveza do ser e a Ra leu Amsterdam.
Em 2022, inovamos e fizemos o Desafio ClaRaSol®, em que lemos todos os romances de Clarice Lispector em ordem cronológica. Nos últimos três meses do ano, lemos alguns livros infantis dela e a biografia da autora escrita por Benjamin Moser (esgotada no site da editora, mas facilmente encontrada em sebos virtuais).
Euzinha e Raíza em frente à Livraria Gato Sem Rabo, circa 2021.
O enquadramento da selfie evidencia que ela foi feita por mim.
No Desafio RaSol® de 2024, lemos apenas autores brasileiros. Ao longo dos meses, nem sempre pudemos nos reunir e conversar horas a fio sobre nossas leituras, mas a ideia, como ouvi da Ra certa vez, é se abrir para livros diferentes.
De minha parte, posso dizer que li muitas coisas boas e alguns livros que há anos postergava. Comentei as melhores entre essas leituras aqui no Vivo entre Livros antes. Hoje vim compartilhar a minha lista completa.
Mesmo que esteja cansado das listas do ano passado, por favor fique mais um pouco, leitor amigo. No final, você saberá o que a Ra e eu estamos aprontando em 2025 e ainda receberá um convite ;)
(Publicado pelo Grupo Editorial Record)
Eu não comecei bem o Desafio RaSol® em 2024. Para janeiro, escolhi A natureza da mordida como meu primeiro livro de Carla Madeira. Ele me interessou por trazer na premissa a amizade entre uma psicanalista idosa e uma mulher mais jovem que se conhecem num sebo. A decepção foi imensa, pois achei o enredo chato e não consegui me conectar a nenhuma das personagens. Os únicos trechos de que gostei no livro são citações de outros autores.
Meses depois, li o incensado Tudo é rio e gostei até certo ponto. Mesmo assim, considero a escrita da autora apelativa e cafona. Ela, ao que parece, não é para mim.
Ler, em fevereiro, É sempre a hora da nossa morte amém foi um salto de qualidade. Explico aqui por que gostei tanto desse livro. Sem dúvida lerei mais do que Mariana escreve.
Em março, descobri que A filha primitiva é um romance pesado, indigesto e, ao mesmo tempo, viciante. Fiquei tão mexida com essa história que não consegui escrever uma resenha. Mas fiz questão de falar dela nas indicações de leitura para o Dia Internacional da Mulher e incluí-la nas minhas melhores leituras do primeiro semestre de 2024.
(A capa atual é outra, mas continua sendo publicado pela Record)
Em abril, desencalhei do Kindle O filho eterno, livro super premiado e que há anos eu tinha curiosidade de conhecer.
O tema tem leve semelhança com A filha primitiva. No romance de Tezza, entretanto, um pai rejeita o filho com Síndrome de Down.
Ao longo da leitura, o que mais me prendeu foi comparar as visões a respeito da doença nos dias atuais com as do períodos em que se passa a história, os anos 80. Há também alguns pontos relativos aos anos 60 a à ditadura militar no Brasil, incluídos nas memórias de juventude do protagonista e narrador.
Foi uma leitura que segui de modo protocolar, pois não me conectei às personagens nem achei extraordinária a escrita de Tezza. Mesmo assim, fiquei feliz por tirar essa “pendência” da minha lista.
Em maio, li Toda terça. Este, sim, um baita livro com psicanálise no enredo (por favor aprenda, Carla Madeira).
Aqui acompanhamos duas narrativas paralelas: a de uma mulher no Rio de Janeiro que frequenta o consultório para falar de suas tretas amorosas, e a de um homem em Frankfurt que reflete sobre sua relação com a estudante de antropologia Ulrike. Ambas são histórias instigantes e o mistério de como se conectam fica conosco até o final inesperado.
Sabe aquele livro que quando termina a gente quer voltar imediatamente e reler para enxergar as pistas até então escondidas? Toda terça é assim. Inclusive eu voltei mesmo e fiz uma leitura dinâmica que me ajudou a ligar os pontos.
E sabe por que eu não escrevi sobre esse livro antes? Eu tampouco 🙂 Mas super recomendo a leitura de Toda terça pela escrita envolvente de Carola Saavedra (de quem pretendo ler mais, sem dúvida).
Em junho, resgatei outro livro cuja leitura há tempos eu ensaiava:
(Cia. das Letras, too)
Me impressionou o poder que Daniel Galera tem de tornar interessantes cenas banais, como a do protagonista andando de bicicleta, no início do livro, ou dirigindo para se encontrar com um amigo. Outra habilidade do autor é tratar de temas profundos enquanto descreve (muitíssimo bem, aliás) essas cenas banais. Também falei sobre minha experiência de leitura no post de encerramento do primeiro semestre.
Em julho, tirei do limbo outra autora, mas a que preço…
A leitura de Úrsula foi penosa. Sofri com a linguagem rebuscada de Maria Firmina e com os tons melodramáticos da narrativa. Esse foi o livro que mais fez jus ao termo desafio este ano.
Reconheço os muitos méritos da autora mas, olha, eu não sei se voltarei a lê-la. Talvez eu dê chance às outras obras do volume, mas não garanto.
Em agosto, foi a vez deste livraço:
(Todavia, para variar um pouco)
O céu para os bastardos foi, sem dúvida, uma das melhores leituras do ano. Dentro e fora do Desafio RaSol®.
Já rasguei seda para ele no Instagram. E tem a resenha completa dele (e de outra história-irmã excelente) aqui no Vivo entre Livros.
O ateneu era uma pendência literária antiga minha. Eu já mencionei o tempo em que jamais abandonava leituras. Apesar de ter superado essa fase, permaneceu um gosto amargo da adolescência, quando eu adorava ler clássicos mas abandonei este logo nas primeiras páginas.
Aqui eu conto a respeito do meu reencontro com a obra de Raul Pompéia em setembro.
No mês de outubro, foi a vez de conhecer o trabalho da romancista e roteirista Ana Paula Maia.
(Outra edição da Record)
Assim na terra como embaixo da terra era um título que eu tinha na lista de leituras desde 2022, quando ouvi o episódio sobre ele no saudoso podcast Suposta Leitura.
Eu gostei do livro, mas não amei. Você pode saber detalhes da minha experiência com ele no Goodreads. Por lá, eu escrevo a respeito de todos os livros que tenho lido, mesmo os que não me agradaram tanto.
Novembro, também conhecido como o melhor mês do ano, pedia uma leitura à altura, portanto ei-la:
(Cia. de novo)
Se você acha que o universo das queens se resume a RuPaul’s Drag Race, prepare-se para fortes emoções em Rainhas da noite. Aqui vislumbramos o submundo de travestis da noite paulistana entre as décadas de 1970 e 2010. Tem tiro, porrada, confusão, dedo em tudo quanto é buraco e babados fortíssimos.
As histórias das muitas pessoas LGBTQIA + mencionadas no livro-reportagem de Chico Felitti me lembraram O parque das irmãs magníficas, da argentina Camila Sosa Villadas. Com uma diferença importante: é tudo verdade.
Para complementar a leitura, finalmente assisti Divinas divas, o documentário dirigido pela não menos maravilhosa Leandra Leal. Ele trata das travestis do Rio de Janeiro e, diferente da reportagem do Chico, mostra mais glamour do que perrengues. Recomendo também.
Em dezembro, encerrei o Desafio RaSol® com um clássico de 1901.
A falência se passa em finais do século XIX e conta a história da família Teodoro. O patriarca, Francisco, é um rico comerciante cafeeiro português radicado no Rio de Janeiro. A esposa, Camila, e os filhos do casal vivem em meio ao luxo sem nunca ter dado um prego numa barra de sabão. Mas, como o título do romance antecipa, as coisas estão prestes a mudar.
Até a tal falência chegar, porém, o contexto da família é muito bem estabelecido. As diversas personagens, ricas, remediadas e pobres, são apresentadas de forma magistral. Júlia Lopes de Almeida tem um talento especial para fazer descrições breves e eficientes, sem tornar as personagens rasas ou caricatas.
Entre as personagens secundárias, quero destacar Sancha, uma menina explorada pela tia de Camila. Ela aparece pouco na trama, mas quando o faz, mostra uma contundente denúncia aos maus tratos sofridos pela população negra brasileira.
Outra coadjuvante que me agradou muito foi Ruth, a filha adolescente do casal principal. A menina-moleca é uma entusiasta da natureza, fã de arte e de ciências e, por tudo isso, uma estranha no ambiente de futilidades e dissipação em que a família vive. Dr. Gervásio, médico e “amigo” da família é o único que fala a mesma língua de Ruth. Ele, no entanto, vai se destacar de outra maneira entre os Teodoro.
Eu não me lembro ao certo em qual episódio do podcast Leitura de Ouvido (talvez no ótimo “A incógnita”) ouvi pela primeira vez que a autora, apesar de ter feito parte do grupo de escritores que idealizou a Academia Brasileira de Letras e de ser uma das autoras mais publicadas de sua época, não teve uma cadeira na organização, simplesmente por ser mulher. Desde então, ouvi e li alguns contos esparsos da autora e decidi que precisava ler pelo menos um de seus romances.
“A falência” me deixou encantada com a escrita de Júlia Lopes de Almeida e me perguntando por que essa autora não é, no mínimo, tão lembrada hoje em dia quanto Machado de Assis. Além de contos e romances, Júlia escreveu novelas, poemas, crônicas, peças de teatro e até literatura infantil. Uma vasta obra que pretendo continuar explorando.
A editora Janela Amarela tem edições bonitonas dos livros de Júlia (e de outras autoras esquecidas pela Literatura Brasileira). Porém, sendo uma obra em domínio público, é fácil encontrar versões digitais dos livros de Júlia pela internet.
Eu leio livros banidos. E você?
(Foto de creativefabrica.com)
No ano passado, os casos de censura a livros como O avesso da pele e Outono de carne estranha nos inspiraram a fazer de 2025 o ano do Bonde do Proibidão no Desafio RaSol®: Nós duas leremos 12 obras que já foram censuradas em algum momento por uma galera que provavelmente nem as leu.
Estas são as nossas escolhas:
janeiro: Feliz ano novo, de Rubem Fonseca (1975) ‒ Já terminamos esse livro curtinho de contos.
Eu tinha lido Fonseca na graduação e, embora tenha achado difícil encontrar o melhor momento de encarar essas histórias (escatológicas demais para a hora do almoço e violentas demais para a hora de dormir), gostei da maioria delas.
A Ra levou um susto com a crueza da escrita do autor, mas (acha que) gostou da experiência.
fevereiro: O amante de Lady Chatterley, de D. H. Lawrence (1928)
março: Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios, de Marçal Aquino (2005)
abril: O evangelho segundo Jesus Cristo, de José Saramago (1991)
maio: O olho mais azul, de Toni Morrison (1970)
junho: Rasga coração, de Oduvaldo Vianna Filho (1974)
julho: A cabana do Pai Tomás, de Harriet Beecher Stowe (1852)
agosto: Zero, de Ignácio de Loyola Brandão (1974)
setembro: Outono de carne estranha, de Airton Souza (2023)
outubro: Os versos satânicos, de Salman Rushdie (1988)
novembro: A aventura de Miguel Littín clandestino no Chile, de Gabriel García Márquez (1986)
dezembro: O casamento, de Nelson Rodrigues (1966)
Se quiser se juntar a nós em alguma(s) das leituras, fique à vontade. E se quiser trocar figurinhas, me dê um oi no Insta (a Raíza é ainda mais low profile do que eu, por isso só entrou o meu perfil aqui).
Recomendações de outras obras proibidas também são bem-vindas.
Por fim, se você concorda que espalhar a subversão por meio da Literatura é um serviço de utilidade pública, compartilhe a ideia (e este post) com os seus.
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